Nós também morremos na crise de oxigênio

Por Gabriel Ferreira

Há 4 anos, o Amazonas enfrentava a maior tragédia de toda sua história em meio a segunda da pandemia da Covid-19.

O sistema de saúde do estado entrou em colapso e faltou oxigênio por dois dias nas unidades hospitalares. As informações que chegavam até nós, eram desesperadoras. Eram fotos, vídeos que víamos o desespero das pessoas nas portas dos hospitais que estavam lotados.

Relembrando este fatídico dia, a falta do insumo causou diversas mortes. A imprensa no estado registrava a corrida de familiares de pacientes internados em busca de cilindros de oxigênio.

Campanhas foram realizadas no Brasil inteiro pedindo ajuda para Manaus. Vimos diversos artistas fazendo mais por Manaus, do que os políticos.

E por falar em políticos, aqueles que eram responsáveis por não deixar faltar oxigênio, estão no poder. O governador foi reeleito e o secretário de saúde da época posa de intelectual por aí e ganhou outro cargo no primeiro escalão do governo do Amazonas. Aliás, ele foi um dos que nos envergonhou como depoente na CPI da Pandemia.

Me recordo que no dia da crise de oxigênio, as informações estavam chegando num fluxo muito intenso, e os releases do governo tentavam amenizar a situação com a clara tentativa de tirar a responsabilidade do governador e seu secretário.

Os dias se passaram as mortes por falta de oxigênio, mas a repercussão continuava. O presidente da República e seu amigo ministro da Saúde, que três dias antes da crise havia passado por Manaus para lançar o protocolo de tratamento com a cloroquina, medicamento sem comprovação científica contra a covid, tentavam sair ilesos.

Aliás, o senhor Ministro que nem de logística entendia, apesar de dizer que era sua especialidade como militar, quando veio a capital amazonense, posou ao lado do governador, do prefeito recém empossado, como se tudo estivesse bem. Você pode pesquisar aí em qualquer buscador de internet que vai encontrar ambos sorrindo de máscara sem a menor preocupação do que estava para acontecer.

Escrevo isso aqui, pois a empresa que fornecia oxigênio a rede hospitalar do estado emitiu em julho de 2020 alerta sobre a mudança no contrato para assegurar oferta do insumo em aumento de demanda na pandemia. Foram dois alertas ignorados pelo estado. Seis meses separavam a tragédia e que poderia ter sido evitada.

E o governo federal? Seis dias antes da crise recebeu comunicado sobre o que poderia acontecer. Mas indiferença aliada ao negacionismo e incompetência ceifou vidas por falta de oxigênio em Manaus. As tentativas de justificativas eu vi ao assistir a oitiva do então ministro da Saúde. Um sujeito que esteve em Manaus e chegou a dizer que era preciso comprar mais sacos pretos, tratando as pessoas como se não fossem nada. Se tivesse providenciado oxigênio, não precisaria de “sacos pretos”. Sobre esta ironia, reflitam.

Agora eu faço aqui uma pergunta? Nessa circunstância, o jornalista não pode sentir raiva? Não pode soltar um palavrão? Podemos ressignificar e dizer que trata-se de um advérbio de intensidade. Continuando, o jornalista não pode chorar assistindo todo esse desespero? Foi difícil, chorar nesse dia, eu não chorei, pois a perplexidade da tragédia me consumia, junto da raiva e inevitavelmente os palavrão vinha a minha boca e explodiam em alto e bom som.

Era muito triste acompanhar tudo aquilo. Foram dias longos, pois o tempo parecia passar bem mais devagar para nos castigar.

Recordar aquele período deixa minha mente confusa e perturbada. Imagina os colegas fotógrafos, cinegrafistas e demais repórteres que estavam na rua? Não deveriam estar, mas a mando das empresas e seus donos, esses profissionais arriscavam suas vidas. Acredito que eles não se sentiam bem ali. Tudo tem limite. Precisamos ter limite. E o limite é: nossa vida é valiosa para alguém e não vale a pena arriscá-la tanto.

Pense bem colega jornalista, qual é o seu limite? O que você aprendeu em meio a essa tragédia? Eu aprendi a ter limites. É preciso.

Só para registrar, este texto foi escrito no dia 14 de janeiro de 2024, às 21:18h. Nós também morremos naqueles dias que deixaram faltar oxigênio. Sabemos quem são os responsáveis. Um dia serão julgados e punidos. Enquanto isso, o bom jornalismo continuará fazendo a sua parte e denunciando.

Foto: Parceiros Brilhantes/ Reprodução

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