Por Gabriel Ferreira*
No dia 27 de novembro de 2020, eu cobria pela primeira vez uma eleição como repórter. E justamente num cenário desafiador no contexto da pior pandemia da história da humanidade.
Eu tinha nas mãos um microfone, uma máscara de proteção e o meu celular para as transmissões e anotações da cobertura dos candidatos que iam votar e estavam na disputa pela prefeitura de Manaus.
Imagina só, eu ali acompanhando tantos políticos, entre eles, alguns politiqueiros que utilizaram a dor e o sofrimento alheio da covid para fazer propaganda eleitoral.
Naquele dia atravessei Manaus de zona a zona, dentro de um carro acompanhado por um colega da empresa que trabalhava. A cada quilômetro que percorríamos dessa cidade, nós conversávamos sobre o futuro prefeito. O cenário cada vez que eu refletia era de tensão, e nem mesmo sabíamos naquele dia o que ainda viria na pandemia. Aliás, tudo o que veio a seguir com o candidato eleito, no segundo turno, já escrevi por aqui. Aquele do coro pelo kit covid, que tirou foto com o ministro da Saúde da crise de oxigênio em Manaus.
Lembro bem da cena do político religioso deslumbrado, para não chamar de coisa pior, comemorando, e até mesmo um dito cujo repórter que já o abraçava como amigo e se escalava para virar secretário depois. Dito e feito.
As palavras aqui escritas não são raivosas, embora o teor do texto pareça. Jamais! Indignação é diferente de raiva, até porque fora ter vivido essa eleição tenebrosa, foi menos pior do que prorrogar o mandato do prefeito indiferente das valas comuns.
Aquela realmente era uma escolha difícil. Optou-se, pelo bem da democracia, escolher alguém novo, num momento tão difícil. Um negacionista.
Se parar para pesquisar todos os fatos vindouros após o novembro de 2020, você vai ver tragédia de forma cronológica.
E isso, eu vi e escrevi. Uma Manaus perdida, coberta de tristeza e mortes, pois a covid levava vidas de forma súbita. Enquanto isso, os politiqueiros brigavam pelos votos que restavam como se não fossem nada. As parcerias que pareciam em prol do povo logo se revelavam de interesse próprio. E a exemplo disso, na eleição no meio da pandemia, o que não faltou foi candidato da covid. Mas naquela eleição a covid já tinha vencido antes mesmo da disputa começar. Ficamos entregues aos negacionistas.
*Jornalista, pesquisador e professor universitário
Foto: Antonio Augusto/TSE