Palavras de um xamã Yanomami

Por Mayson Nogueira*

Xamã, líder político, ativista na defesa dos povos indígenas e da floresta amazônica, além de outras funções acumuladas. Esse é Davi Kopenawa, grande referência indígena e uma das figuras mais importantes no contexto contemporâneo de defesa dos direitos humanos e indígenas, do meio ambiente e diversidade cultural, diante de um país que exclui essa parcela da população que tem participação pertinente na história brasileira.

Na última semana Kopenawa, a convite do Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA) da UFAM, esteve presente na universidade para ministrar aula magna, e participar de bancas históricas de mestrado de três indígenas do povo Yanomami recém intitulados mestres.

Aula magna

Na tarde do dia 22 de abril de 2025, ocorreu uma aula magna ministrada por Davi Kopenawa. Diante de uma plateia acalorada pela sua presença, foram proferidos diversos assuntos abordados, destacando a escassez de ajuda ao seu povo de origem e tecendo várias críticas concisas, sendo a população indígena que mais sofre diante de invasões de garimpeiros ilegais, doenças trazidas de fora, mortes violentas de indígenas Yanomami, dentre outras calamidades.

“A gente tem que se lembrar das mortes, infelizmente. Lembrar do morro, do rio, para poder seguir, certo. Nós não vamos ceder aos brancos a cultura deles, não vamos nosso povo ruir para eles, cuidamos de toda a beleza da nossa Amazônia, não vamos deixar destruir nossa língua!”, exclamou Davi ao público presente.

A morte de indígenas no território foi debatido no decorrer da aula magna.  Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2023 foram registrados 363 óbitos na terra Yanomami, sendo o maior número desde 2018 mesmo com ações para enfrentar a crise humanitária que esse território enfrenta constantemente, provocando óbitos dessa população por diversos fatores como desnutrição, doenças e ameaças oriundos de garimpeiros ilegais. Desse quantitativo de mortes em 2023, 16 foram somente ocasionadas pela malária, grave problema de saúde que esse povo convive há anos.

A desnutrição é outro fato que aflige o povo Yanomami desde 2015. Cerca de metade das crianças de até 5 anos apresentam peso baixo para a saúde, sofrendo assim a desnutrição podendo morrer e o pico de crianças desnutridas e fora do peso adequado atingindo 56,6% em 2021. Essas crianças são cadastradas para que sejam realizados monitoramentos e avaliações de ações de saúde. Esses dados são do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena do Ministério da Saúde fornecidos via Lei de Acesso à Informação.

Um tópico que Kopenawa destacou ao longo de sua aula magna é a educação e como a população do território acessa o ensino para se alfabetizar. Ele disse que o Estado investiu bilhões de reais para construção de escolas para os filhos aprenderem a escrever, ensinar os próprios filhos.

“Tem que ter dinheiro para construir a nossa escola, para os filhos aprenderem, os próprios parentes também”, destacou.

Em alinhamento com essa fala de Kopenawa, o governo federal começou em janeiro de 2024 a investir mais ainda para trazer mais estrutura ao território indígena com um orçamento de R$1,2 bilhão, designando para diversas áreas visando trazer bem estar, segurança e controle territorial e melhor qualidade de vida para uma das regiões mais isoladas do país.

Outro ponto que o xamã enfatizou é a “morte” da língua nativa Yanomami, verbalizando a invasão de homens brancos “de fora” dizimando as populações e muitos utilizando o português como forma de se comunicar. A questão da “morte da língua” referenciada por Kopenawa se refere à diminuição e potencial extinção do idioma nativo, em virtude do contato do indígena com o mundo não-indígena. “Os brancos pensam que nós precisamos de socorro, que somos animais. Querem destruir a nossa língua, ela é rica, o pensamento é rico!”, afirmou Davi.

Ao encerrar sua aula magna no auditório Eulálio Chaves, no setor sul da UFAM, Davi Kopenawa retomou novamente a luta do povo Yanomami por direitos de vida, segurança no território, bem como combate a invasões e assegurar que as novas gerações à por vim possam presenciar mudanças positivas.

“Então, a minha mensagem é assim, a nova geração que está na aldeia estudante, eu queria que eles possam continuar lutando, continuar a ensinar o indígena, continuar a ensinar para não estragar a nossa beleza amazônica. A Amazônia é um nome para ser amado. O branco não está amando, está o destruindo”, concluiu Davi Kopenawa sob aplausos acalorados do público presente.

Participação nas bancas

No segundo dia de passagem pela UFAM, Davi Kopenawa participou como membro em bancas de mestrado, de três alunos Yanomami, Edinho, Odorico e Modesto. Durante arguição o xamã destacou que trabalhos visam trazer força e resistência ao povo indígena em diversos aspectos e não deixando sua cultura e costumes morrer.

“Mas vocês, vocês três, foi muito bom. Esse é o resultado da nossa luta. Resultado também da minha luta, e saber escolher porque tem muitos caminhos e vocês escolheram o caminho bom. Estou muito orgulhoso de vocês, são meus primos e primeiros para explicar para esse pessoal”, comentou Davi Kopenawa sintetizando o valor das dissertações dos três alunos para o povo Yanomami e para a sociedade comum.

Em entrevista exclusiva ao Portal da Ciência, o xamã não escondeu sua alegria ao ver temas tão importantes para o seu povo diante de todas as circunstâncias em que se encontram, desde o descaso com a vida de cada um até a morte de outros. “Bem, hoje é o nosso futuro. Futuro hoje e amanhã. Nós somos Yanomami. Esse evento que foi realizado hoje é muito importante pra nós. Estou muito orgulhoso com meus jovens que tiveram dificuldades”, relatou.

No encerramento pela sua passagem, Kopenawa agradeceu a todos pelo suporte, apoio e palmas. “É muito bom, porque eu esperava e agora tenho resultado. Espero que tenham Yanomami aprendendo, escrevendo e falem nossa história e conhecimento. E eu estou assim, feliz, gostando desse encontro com essa casa que aconteceu nossa fala, muito obrigado!”, finalizou.

Foto: Mayson Nogueira

*Repórter do Portal da Ciência (Sob a supervisão do prof. Me. Gabriel Ferreira)

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