Manaus não está preparada para as mudanças climáticas

Por Mayson Nogueira, Larissa Gemaque e Luís Castro*

A cidade de Manaus não está preparada para lidar com as mudanças climáticas. A afirmação é do especialista em meteorologia e climatologia e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Eron Bezerra. Para ele, “a situação climática vem se agravando objetivamente e Manaus não está preparada por várias razões”.

Da mesma forma, Renato Senna, meteorologista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), aponta o despreparo da capital amazonense a esse novo contexto e por isso precisa se adaptar como uma cidade resiliente, que são capazes de enfrentar, resistir e se adaptar a desafios, sejam eles naturais ou provocados pelo homem. “As mudanças climáticas estão aqui e nós precisamos nos adaptar a elas”, afirma Senna.

O reflexo da situação de Manaus em relação as mudanças climáticas, conforme apontado pelos especialistas, pode ser visto nos efeitos causados pelas chuvas intensas que atingiram a cidade nas últimas semanas. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), entre os dias 4 e 5 de março, foi registrado 40% do esperado de precipitação para todo o mês. Já no dia 19, a capital registrou um temporal que correspondeu a cerca de 27% do esperado para março.

Confira abaixo:

Infográfico: Gabriel Ferreira

Mais de 250 famílias foram afetadas pelo temporal que caiu na primeira semana de março, causando alagamentos e deslizamentos de terra em áreas de encostas, conforme a Defesa Civil de Manaus. Além disso, a chuva do dia 19 provocou um deslizamento de terra que destruiu moradias em bairros da Zona Norte, deixou cinco pessoas feridas e uma mulher morta. 

Entre as pessoas atingidas pelos efeitos causados pela chuva em Manaus, está Everton Lacerda, morador do bairro Compensa, zona oeste de Manaus. Em entrevista ao Portal da Ciência relatou como os temporais têm afetado seu cotidiano, o impedindo até mesmo de sair de casa para trabalhar. 

“É desesperador ver a água subir e não poder fazer muita coisa, sabe? É complicado conviver com essa situação, da sua rua alagar e não conseguir sair de casa para trabalhar. Sempre que chove, acontece isso e não precisa esperar chover dias seguidos pra isso ocorrer”, afirma Everton.

Caroline Silva, moradora do bairro Santo Agostinho, também na Zona Oeste, conta como essas chuvas torrenciais afetam o seu dia-dia. “É muito chato alagar aqui toda vez. Os bueiros próximos daqui entopem e não tem como a água descer. A água invade as casas, é muito triste ver essa situação. Teve dias que tive muita dificuldade de sair da minha própria casa em dias chuvosos, porque alaga tudo”, desabafa a moradora. 

Por que essas chuvas torrenciais têm acontecido?

O fenômeno La Nin̈a, que causa um resfriamento anormal das águas superficiais do oceano tem influência direta no volume de chuvas observado na capital amazonense.

“O ano de 2025 começa ainda com chuvas abaixo do esperado. No entanto, no final de 2024, temos um outro evento no Oceano Pacífico, a La Niña. Com o El Niño, a circulação de ar na Amazônia é invertida, ao invés do movimento de ar ser de baixo para cima, é o contrário. O ar que está na parte mais alta desce para a superfície e tem um poder de ressecamento. Então, não formam nuvens ou as que se formam acabam produzindo menos chuva. Já a La Nin̈a muda a circulação, em vez de ter esse movimento de cima para baixo, ela aumenta o movimento de baixo para cima fazendo com que as nuvens tenham uma formação de movimento vertical maior e acabem produzindo mais volume de chuva”, detalha Renato Senna.

Renato Senna, meteorologista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Foto: Luís Castro

O pesquisador do Inpa ainda explica que a La Niña começou fora de época. De acordo com ele, o fenômeno deveria ter início entre o fim de 2024 e o começo de 2025, mas o cenário mudou somente em fevereiro deste ano. “A partir da segunda quinzena de janeiro até o começo de fevereiro, a gente vê as chuvas se concentrando sobre a Amazônia Oriental, ainda não sobre Manaus, mas em toda a parte norte do Pará, com chuvas muito fortes. Na segunda quinzena de fevereiro, o quadro muda e a gente começa a ver, desse período até agora, essas chuvas bastante intensas. E elas estão relacionadas com esses eventos climáticos”.

Deydila Bonfim, meteorologista e analista do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), reforça que a La Niña potencializa um período que já é chuvoso, conhecido popularmente como inverno amazônico. “A gente tem uma estação chuvosa comprometida no ano passado, que intensificou a seca. Então, esse cenário da La Niña, mesmo com curta duração, favorece a precipitação nesse período”.

Além disso a meteorologista explica que nos primeiros meses do ano é naturalmente um período chuvoso devido o inverno amazônico, e do ponto de vista climatológico seria normal. No entanto, é previsto ainda no trimestre de março, abril e maio “tenha chuva acima do normal, uma faixa muito chuvosa, que está muito próxima da capital (Manaus)”.

Ouça a entrevista completa com a meteorologia Deydila Bonfim:

Especialistas apontam caminhos possíveis

Com o cenário de mudanças climáticas avançando, a expectativa é de que fenômenos extremos como as chuvas observadas na cidade de Manaus se intensifiquem. Nesse sentido, Renato Senna afirma que é necessário tornar as cidades mais resilientes a esses processos”.

Dessa forma, o pesquisador do Inpa cita possíveis medidas para enfrentar a crise, sendo uma delas a criação de “cidades-esponja”, processo que consiste em parar de impermeabilizar o solo da cidade e criar áreas de arborização, por exemplo, para que  chuvas severas não atinjam a superfície e provoquem alagamentos.

Para Eron Bezerra é necessário identificar a capacidade de água disponível (CAD) de cada solo, para prevenir tragédias antecipadamente.

“Se eu sei quanto cada solo suporta de água e eu sei quanto vai entrar de precipitação, com um simples pluviógrafo (são aparelhos automatizados que registram a intensidade da chuva), que é fácil comprar, até fazer popularmente com uma garrafa PET, para saber quanto está entrando de água, é uma primeira providência para evitar, por exemplo, deslizamentos de terra”.

Eron Bezerra, especialista em meteorologia e climatologia e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Foto: Luís Castro

Entre as ações, Renato Senna aponta que é necessário desocupar moradias em áreas de risco, frequentemente afetadas por eventos severos. 

“Quanto mais a gente ocupar essas áreas, mais a gente vai acabar tendo problemas porque vai ter desabamento, vão cair casas, e isso vai acabar matando gente. Então, a gente precisa que o poder público estabeleça regras para esse processo. Pessoas que estão nessas áreas têm que ser retiradas, e essas áreas têm que ser revitalizadas de forma sustentável, com implantação de árvores nativas que são adaptadas a esse processo de encosta. Tudo isso é um grande processo que precisamos cobrar dos nossos representantes legais para que eles façam o papel deles. Eles estão aqui também para ajudar a proteger a nossa população”, conclui o pesquisador do INPA.

Ouça a entrevista completa do pesquisador Renato Senna:

*Repórteres do Portal da Ciência (Sob a supervisão do prof. Me. Gabriel Ferreira)

Foto: Reprodução

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *