Por Gabriel Ferreira*
Retroescavadeiras rasgando o barro, homens uniformizados e com EPIs e caixões envelopados com um tipo de plástico e enfileirados sobre o chão. Descrevo aqui uma das cenas mais tristes e angustiantes registradas pela imprensa e veiculada no mundo inteiro. Foram vídeos e fotos circulando as redes sociais, sendo utilizados na cobertura jornalística na primeira onda da pandemia da covid-19, em Manaus.
Os valores éticos e morais sobre o que estava sendo feito ficou de lado num cenário de guerra. Mas a questão aqui é a falta de humanidade do então prefeito de Manaus. Aquele mesmo que não sabe discordar e leva embate políticos a nível pessoal. O cara que foi senador e no plenário daquela Casa, disse que daria uma surra no presidente da República. E por fala nisso, no ano de 2022, como era de se esperar, escolheu o lado da extrema-direita, dos antidemocráticos. Com essas descrições você já deve ter imaginado quem seja.
Pois então, ele foi o responsável para abrir as valas comuns e enterrar as vítimas da covid como se fossem indigentes em abril de 2020. A justificativa? Muitas pessoas morrendo, tudo estava colapsando e um deles foi o sistema funerário. Mas fazer o que né? Já estavam mortos mesmo, porque dar dignidade ao que está sem vida? Talvez fosse o pensamento do sujeito indiferente ante a muitos, que inclusive foram seus eleitores um dia.
Aliás, como já escrevi em um artigo anterior a esse, o prefeito conseguiu arrumar briga de cunho político em um dos momentos mais difíceis da pandemia. Era a prática dele.
Mas falando sobre as valas comuns, só consigo lembrar do clima fúnebre, que entrava em minha casa quando eu via tudo aquilo pairar na tela do meu computador, do celular. A medida foi cancelada após manifestações de familiares de vítimas, mas estava feito e tudo registrado.
Eu como repórter, acompanhando aquela tragédia, não sabia o que fazer. Naquele período estava de home office e via tudo de longe. Era devastador. E a raiva de ver o prefeito de Manaus tentando não parecer indiferente consumia minha mente. Sem contar a inoperância e o negacionismo da gestão estadual e federal.
Mesmo divididos politicamente, o alinhamento desastroso das ações na pandemia era afinado. A orquestra da morte e do horror.
Naquele cemitério das valas comuns, tem um carpinteiro parintinense, homem trabalhador que eu admirava, pai de um amigo. Foi infectado pela covid no hospital, veio transferido para Manaus, internou, a situação piorou, e até certo dia daquela melhora falsa, perdeu a vida. Sem direito a velório e as homenagens que merecia por todos aqueles que o amavam, foi enterrado na vala comum. Os funcionários que cumpriam ordens não carregam a culpa. A culpa é de quem mandou fazer.
*O autor é Jornalista, pesquisador e professor universitário
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Foto: Carolina Diniz/ G1