As reportagens sobre a covid

Este texto não é um manual sobre produção de reportagens. Mas eu espero que lhe seja útil caro leitor, e acima de tudo faça você refletir bastante sobre a pandemia.

Durante o nefasto período, escrevi inúmeras notícias e reportagens para o site em que atuo. Foram tantas que na hora de selecionar, mal lembrava dos títulos, mas sabia que a maioria era sobre a covid-19. Os links das publicações estão por aí flutuando pela Internet.

Das que encontrei, selecionei duas, que por coincidência foram publicadas no mês de janeiro de 2021, no período da segunda onda da Covid no Amazonas. Foi neste mês que pessoas morreram por falta de oxigênio. Nesse período faltou tudo, principalmente humanidade. Ora, enfrentávamos um cenário de guerra e de muita indiferença da classe política.

Então, vamos a primeira reportagem, intitulada “Guerra árdua e contínua”, desabafa motorista do SOS Funeral em Manaus”, publicada no dia 21 de janeiro de 2021, às 10:29h.

Pelo o que me recordo, a produção durou mais de 1 semana. Primeiramente me veio a ideia de conversar com um motorista do SOS Funeral, que na época estavam realizando um trabalho diário, não só de ter que dirigir os carros fúnebres, mas também de ajudar a remover corpos das vítimas de covid, que também estavam morrendo em casa, pois os hospitais estavam lotados.

Eu passei como sugestão de pauta ao diretor de redação que prontamente topou e deixou sob minha responsabilidade produzir o material. A partir daí, entrei em contato com a assessoria da Secretaria Municipal de Limpeza Pública da Prefeitura de Manaus, que me ajudou com o contato do motorista Lúcio Aurélio do SOS Funeral. Eu não tinha menor interesse em fazer propaganda para prefeitura. Minha missão era ouvir aquele trabalhador. E foi feito.

Consegui o contato dele via WhatsApp, mandei mensagem me apresentando e fiquei no aguardo pelo retorno. No dia seguinte, ele respondeu e disse que me ajudaria.

Para que não se tornasse um monólogo e sim uma entrevista, elaborei um roteiro com várias perguntas sobre a vida dele e sobre seu ofício naquele contexto de pandemia. Você não deve ser indiferente com um entrevistado, mesmo se a entrevista for por uma rede social. É preciso compreender o papel de quem você está querendo ouvir.

Desde a faculdade, sempre busquei ser mais ouvinte. O repórter tem que aprender a ouvir mais e falar menos, e perguntar o suficiente. Não significa tagarelar, são coisas distintas.

Se você tiver alguma curiosidade no meio da entrevista, anote e pergunte assim que o entrevistado terminar de falar, até porque, convenhamos, interromper uma pessoa durante sua fala também é deselegante.

Conselho dado, sigamos com o relato. Após a entrevista com o seu Lúcio, eu fui escutar todos os áudios que ele gentilmente me enviou contando um pouco da sua vida e tudo que estava vivendo naquele período. Sem nenhuma surpresa, ele me disse que nunca tinha visto algo parecido na vida. Os detalhes vocês podem conferir na reportagem. Mas a questão aqui além de descrever um pouco do trabalho que fiz, é mostrar que personagens muitas vezes jogados ao anonimato também tem uma história e nós precisamos dar voz a eles. Na pandemia o que mais procuram ouvir eram os profissionais da saúde da linha de frente. É justo, sim. No entanto, o motorista como seu Lúcio, também estava no front, exposto a doença, carregando corpos para dentro do carro funerário de pessoas que sequer ele conhecia. Reflitam.

E por falar em tema fúnebre, vamos a segunda reportagem, intitulada “Coveiros: soldados ocultos da linha de frente contra a covid-19”, publicada no dia 26 de janeiro de 2021.  Eis aí, mais um personagem que trabalhou praticamente sem parar durante a pandemia e era invisibilizado. O seu nome é Ulisses Souza Xavier. Nunca mais tive contato com ele, mas espero que esteja bem.

Nossa entrevista foi por uma chamada de voz via WhatsApp, que durou 10 minutos. Vale ressaltar que o aplicativo foi uma ferramenta essencial para meu trabalho naquele período, hoje ainda mais. Obrigado tecnologia. Imagina se dependêssemos apenas do telefone tradicional? Então se você tem algo que pode facilitar e te ajudar em sua função de repórter, utilize, vide a Inteligência Artificial que está aí. Mas faça bom uso e com ética.

Na entrevista com seu Ulisses, ele me contou como estava sendo o trabalho de abrir covas e enterrar todos os dias vítima da Covid-19. Lembro que pude sentir em seu tom de voz tristeza, cansaço e preocupação. Na época, o coveiro estava morando com a filha mais velha e de sua neta, mas eles viviam em cômodos separados. Eles só conversavam por telefone, pois havia o risco de contaminação pelo vírus devido a condição de trabalho do coveiro. 

Os demais detalhes você pode conferir no link da reportagem que está no texto. Falando um pouco da produção, a dinâmica foi parecida com a primeira. O processo de construção da reportagem é fabril, passa pela avaliação da pauta pelo diretor, apuração, entrevista, construção do texto, edição e publicação. É uma fábrica da notícia conforme os conceitos da Teoria do Newsmaking apresentado pelos teóricos da Comunicação, como por exemplo Nilson Lage, Felipe Pena, etc. Recomendo a leitura das obras deles. Não passe batido.

Pois bem, deixando um pouco a teoria de lado, vamos a prática. Quando surgiu a ideia de falar com um coveiro, eu pensava em dar voz a essa profissão, que fazia o trabalho mais braçal da pandemia e um dos mais tristes. Todos os dias, tinha gente para ser enterrada. Assim me contou seu Ulisses.

O diretor da redação topou de imediato e através de uma assessoria consegui o contato do entrevistado. E assim seguiu todo trabalho jornalístico que antecipei aqui. O texto foi construído aos poucos, com muito cuidado na decupagem do áudio. E isso é algo que precisamos zelar. Em hipótese alguma você deve descontextualizar a fala do personagem da matéria. Se você for cortar uma frase, avalie o contexto, veja se cabe o complemento que você pensou. Se não der, mantenha a fala na íntegra. Assim é mais honesto.

E outro detalhe, não polua visualmente seu texto. Não deixe que as frases do entrevistado sejam maiores que um parágrafo feito por você jornalista. Pois naquela citação direta, você pode reescrever utilizando informações citadas por ele. Lembrando, a informação é do entrevistado, então cuidado. Mas faça uma checagem também só para garantir.

Dentro dessa construção textual, verifique sempre a ortografia, não tente aportuguesar os termos. Eu particularmente penso que no jornalismo nós também precisamos seguir um pensamento decolonial. Ou seja, mantenha do jeito que está. Corrija o necessário. Pois nem sempre falamos como escrevemos. E o entrevistado não tem a obrigação de falar da maneira que achamos presunçosamente correto. Entendamos que a sociedade é dividida por classes, são indivíduos com pensamentos e formações diferentes. Nisso, eu concordo com Marx.

Pois bem, esta é uma dica para o texto. E com esse pensamento, a reportagem foi produzida, valorizando um personagem da vida real, que compartilhou gentilmente sua batalha diária na pandemia da Covid-19. Dessa forma, entenda, que você sempre será o mediador da informação para o público. Mesmo que mercadologicamente o jornalismo baré ainda pense em vender o mais atrativo, que busque atrair o público pelo clickbait, então pense no diferente. Lutar contra o agendamento midiático é uma tarefa difícil, mas a internet é um campo hoje que podemos utilizar para produzir e fazer um jornalismo ético, responsável e independente. Eu vou em busca disso. Espero que você aluno de jornalismo e colega de profissão também faça o mesmo.

Foto: Divulgação

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