Sob Ameaça: Desmatamento do Corredor Ecológico do Tarumã e a Luta pela Sobrevivência do Sauim-de-Coleira

*Por Denise Yumi Noji e Isabelle Cristine

O desmatamento no Corredor Ecológico do Tarumã, em Manaus, colocou em risco a sobrevivência do Sauim-de-Coleira, um primata endêmico da região e ameaçado de extinção. O Tarumã é uma das poucas reservas naturais da cidade que abrigam espécies como o sauim-de-coleira e outros animais ameaçados de extinção, que já foram muito prejudicados por outras obras. Tudo isso está ameaçado devido às obras que fazem parte da implementação do complexo viário Anel Sul, sob responsabilidade do Governo do Amazonas.

O bairro histórico do Tarumã é caracterizado pela ocupação de representantes de povos e comunidades tradicionais, que veem seu modo de vida ser ameaçado pela ideia de progresso do Governo do Estado. Moradores locais relataram que a poluição causada pela urbanização tem impactado negativamente suas vidas, comprometendo a qualidade da água e a biodiversidade da região.

A urgência na criação de um refúgio para o sauim-de-coleira se torna ainda mais evidente diante desse cenário de degradação. A proposta de criação do refúgio visou a preservação da espécie e, ao mesmo tempo, a integração e respeito da comunidade local, proporcionando uma alternativa sustentável de desenvolvimento.

O sauim-de-coleira (Saguinus bicolor) vive apenas em uma pequena porção do estado do Amazonas, entre os municípios de Manaus, Itacoatiara e Rio Preto da Eva. São cerca de 8 mil quilômetros quadrados – o equivalente a menos de 1% do estado amazonense ou o tamanho da Região Metropolitana de São Paulo. É uma das menores áreas de distribuição geográfica conhecida entre os primatas brasileiros.

De acordo com o jornalista e ativista ambiental Jó Fernandes Farrah, “em nenhum local do mundo existe Sauim, só nessas matas, então ele na floresta amazônica representa muito pouco, onde habita um fragmento muito ínfimo da floresta amazônica. Mas por ser um animal único, ele precisa de proteção única”.

Além do mais, “o sauim-de-coleira só ocorre nas selvas e nas matas próximas a área metropolitana de Manaus. Os nossos fragmentos florestais mais imediatos e os fragmentos que existem lá para a área metropolitana da cidade”. No meio do habitat do sauim, cresce Manaus, com uma população de mais de 2 milhões de habitantes – o município mais populoso da região norte e o 7º do país – onde a urbanização crescente divide a floresta em retalhos.

Pesquisadores estimaram que a espécie vem sofrendo uma perda de habitat de quase 250 km² por ano. Nesse ritmo, em 32 anos não terá sobrado nenhuma floresta para o primata. Dentro desse limitado e disputado território, há apenas três unidades de conservação de proteção integral, ou seja, com regras mais rígidas de preservação. São dois parques municipais e um estadual, que somados abrangem pouco mais de 100 hectares inseridos na área urbana de Manaus.

Farrah explicou sua importância ao dizer que esses primatas são dispersores de semente, e ajudam também na questão do controle de fauna porque habitando na copa das árvores, se alimentam de larvas, de insetos, de vários tipos de liquens, que podem prejudicar as árvores e acabam fazendo uma espécie de limpeza na copa dessas árvores.

As principais UCs que existem no habitat do sauim são de uso sustentável, como a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Puranga Conquista e as Áreas de Proteção Ambiental (APA) da Margem Esquerda do Rio Negro. Em Manaus, existem ainda quatro APAs municipais, uma reserva de desenvolvimento sustentável, uma reserva ecológica e um corredor ecológico.

Outros importantes maciços florestais seguem de pé em propriedades particulares, como a Reserva Florestal Adolpho Ducke, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), com 10 mil hectares, o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), do Exército, com cerca de 100 mil hectares, a maior área contínua de floresta dentro do habitat do sauim, e o campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com cerca de 600 hectares.

O ambientalista ainda explicou que “os desmatamentos são a morte do sauim. Eles decretam a morte dos sauins, por que? Porque os Sauins percorrem trilhas pré determinadas, eles formam essas trilhas da alimentação e no decorrer do dia, eles são animais diurnos”.

Moradores e ambientalistas denunciaram a ausência de um Estudo de Impacto Ambiental adequado e a supressão irregular da vegetação, que pode levar ao assoreamento dos cursos d’água. O estacionamento de máquinas pesadas em áreas de preservação permanente também é uma preocupação constante, pois agrava a degradação do solo e das fontes de água.

No cerne dos possíveis efeitos para mitigar, Farrah contínua, “são muito poucas, são muito pobres, a abrangência não é total. Existem alguns locais onde se cuida do Sauim, por exemplo, Sauim Castanheira, há outros locais onde tem um trabalho de proteção do sauim, mas são fragmentos isolados. Existem algumas iniciativas agora da Universidade e também do Poder Público tentando fazer esse mapa mais completo. Ainda não está totalmente implantado, mas já está em andamento”.

Espécies ameaçadas como o sauim-de-coleira e outros animais que dependem das florestas para sobreviver enfrentam um risco maior de extinção. Dessa forma, a perda de florestas leva à destruição dos habitats naturais, forçando os animais a migrar ou morrer por falta de abrigo e alimento, também há o aumento da erosão do solo, resultando no assoreamento dos cursos d’água, que afeta a qualidade e a quantidade de água disponível.

A construção e urbanização desordenada levam ao aumento da poluição das águas, tornando os rios e igarapés inadequados para a pesca e o consumo.Além disso, a cobertura vegetal ajuda a regular a temperatura local. Sem as árvores, a região pode enfrentar temperaturas mais altas. A remoção da vegetação pode desestabilizar o solo, aumentando o risco de deslizamentos e erosão severa. A exploração insustentável dos recursos florestais pode levar à escassez de produtos naturais, como madeira, frutos e plantas medicinais, afetando a economia local.

As obras de infraestrutura e urbanização podem beneficiar principalmente as áreas centrais e comerciais, enquanto as comunidades locais, especialmente as mais vulneráveis, sofrem com os impactos negativos e a falta de infraestrutura adequada. A ausência de estudos de impacto ambiental adequados e o descumprimento das leis de preservação tem resultado em processos legais e embargos das obras, gerando custos adicionais e atrasos.

O professor complementou, “é preciso primeiro identificar quantos são, onde vivem, como estão se alimentando, se existem ligações de fragmentos para fragmentos, populações que existem no fragmento, por exemplo, aqui no Tarumã. Uma população que vive no aeroporto, outra população já vive aqui perto do Igarapé água branca, já tem uma outra população, fica mais para a próxima do Tarumã açú. Então, esses bandos precisam ser identificados e nós temos que facilitar a troca de cruzamento de espécies de animais que estão em bandos separados, para que não haja problema genético. E também, começar a reflorestar áreas que foram desmatadas, principalmente com árvores frutíferas”.

A linha em azul representa o trecho em processo de duplicação da Estrada do Tarumã/Avenida do turismo na segunda fase de implementação do Anel Sul, que vai da Ponte do Tarumã (Ponto A) até o Cindacta 4 (ponto B). A Cachoeira Alta está identificada pelo ponto vermelho. Fonte: oeco/GoogleMaps

Um refúgio proposto possui cerca de 15 mil hectares integralmente situados no município de Itacoatiara, ao leste da distribuição da espécie, entre os rios Preto da Eva e Urubu. A localização foi definida como estratégica e prioritária durante o levantamento dos pesquisadores do Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação dos Sauins, porque é uma região com florestas ainda bem preservadas, porém em grande parte desprotegidas, e que possuem um papel importante para garantir a conexão entre os blocos florestais ao longo do habitat do sauim-de-coleira.

Durante uma oficina de trabalho realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) entre os dias 29 de janeiro e 2 de fevereiro, a proposta de criação do Refúgio de Vida Silvestre para o sauim-de-coleira foi destacada como uma das prioridades. O evento reuniu servidores, pesquisadores, representantes da sociedade civil e comunidades tradicionais para analisar 219 propostas de criação e ampliação de unidades de conservação (UCs).

A criação de UCs dentro do habitat do sauim-de-coleira é um dos objetivos do Plano de Ação Nacional (PAN) do Sauim-de-Coleira, iniciado em 2011 e atualmente em seu terceiro ciclo, com o objetivo de reverter o declínio populacional da espécie, classificada como Criticamente em Perigo de Extinção. Originalmente, a proposta era de uma Reserva Biológica, categoria mais restritiva ao uso e ocupação do solo. A proposta chegou a ser considerada durante a administração de Michel Temer, em 2018, mas foi esquecida durante o governo Bolsonaro.

Atualmente, há poucas propriedades com títulos definitivos dentro dos limites propostos do Refúgio, localizado em florestas públicas não destinadas. A maioria delas está apenas parcialmente sobreposta, o que facilitaria compatibilizar a área dedicada à Reserva Legal – na Amazônia, 80% do terreno deve ser preservado – com a área protegida.

Pesquisadores estimaram que esse é o tamanho mínimo de área que garante uma população viável de sauim-de-coleira a longo prazo. A criação do Refúgio de Vida Silvestre do Sauim-de-Coleira é vista como uma medida crucial para impedir o avanço do desmatamento motivado pela expansão urbana de Manaus e sua região metropolitana, garantindo a preservação de um dos mamíferos mais ameaçados da Amazônia.

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*acadêmicas do 5º período de Jornalismo da FIC-UFAM, supervisionadas pela profa. Dra. Cristiane Barbosa e prof. Me. Gabriel Ferreira, na disciplina de Jornalismo Digital.

Foto: Lucas Marinho

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