Por Larissa Gemaque*
A zona ribeirinha de Manaus, capital do Amazonas, mais uma vez se destaca como espaço para o desenvolvimento científico protagonizado por estudantes de escola pública.
Em São João do Tupé, localizada a cerca de 34 km da área urbana da capital amazonense, a Escola Municipal São João abriga o projeto “Observatório da Estiagem: monitoramento tecnológico e participativo de componentes físicos naturais para avaliação da seca do rio Negro na comunidade São João, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, entre julho e novembro”. O trabalho é fruto do Programa Ciência na Escola (PCE), com financiamento e incentivo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).
Coordenado pela professora de Geografia Thaini Alves, a atividade é desenvolvida em parceria com três estudantes do ensino fundamental, Renan Ferreira, do 8º ano, Kaio Santos e Camila Correia, ambos do 6º ano, além da gestão da Escola Municipal São João.

Renan Ferreira, Kaio Santos e Camila Correia,durante a elaboração de equipamentos. Imagem: Thaini Alves
Para alguns estudantes, a iniciação científica ainda é vista como uma prática restrita ao ensino superior. No entanto, iniciativas como essa fortalecem a integração entre o conhecimento acadêmico e os saberes locais, e assim favorece a aprendizagem e o protagonismo desde os primeiros anos escolares.
“Então, desde que eu comecei a ser professora ribeirinha aqui, eu penso sempre em desenvolver projetos para mostrar para esses estudantes que eles também podem e devem fazer ciência”, destacou a professora Thaini.
Estudantes usam ciência para fortalecer a comunidade ribeirinha
O projeto surge a partir de uma problemática identificada pelos membros da equipe: a seca dos rios, que atinge a população ribeirinha no Amazonas. Diante desse cenário, o observatório tem como objetivo coletar dados qualitativos e quantitativos para gerar informações sobre os rios que cercam a comunidade.
Para isso, são utilizados equipamentos produzidos pelos próprios alunos, como circuitos com sensor ultrassônico, pluviômetro artesanal feito com garrafa PET, régua construída com madeira reaproveitada e termômetro profissional. Esses instrumentos auxiliam no monitoramento de componentes físicos e naturais, como temperatura, umidade do ar, nível da água do poço, nível do rio e precipitação, ou seja, a quantidade de chuva.

Coleta de dados sobre o nível do rio realizada pela estudante Camila Correia. Imagem: Thaini Alves

Instalação de pluviômetro artesanal feito com garrafa PET feita por Renan e Kaio – Imagem: Thaini Alves
Os dados são coletados diariamente pelos estudantes e compartilhados por meio de boletins em um grupo de WhatsApp que reúne moradores da localidade, e dessa forma promove o acesso à informação e fortalece a rede de colaboração comunitária.
“Nós montamos um grupo de WhatsApp, com todos os moradores da comunidade, onde os estudantes mandavam um boletim dizendo as mudanças desses componentes colhidos nos sensores. E a própria comunidade ia interagindo, diziam: “Olha aqui, no primeiro dia que vocês mandaram, estava assim, olha como está hoje aqui no fundo do meu quintal”. Então, a interação da comunidade foi muito legal “, compartilhou a professora de geografia.
O observatório se destaca por reunir o conhecimento tecnológico e tradicional por meio de práticas integradas. Os alunos realizaram entrevistas com os moradores mais antigos da comunidade para entender como o rio dialoga com as pessoas e como elas se preparam para os períodos de seca e cheia. Durante esse processo, os estudantes perceberam que há saberes transmitidos de geração em geração sobre o comportamento dos rios, sinais naturais que indicam mudanças no nível da água, na fauna e no clima.

Entrevistas com os moradores da comunidade São João do Tupé realizada pelos alunos Camila Correia e Renan Ferreira. Imagem: Thaini Alves
“Meu pai trabalha como condutor para a escola de noite. E quando eu vou conversar dá para ver o conhecimento que ele tem sobre quando vai dirigir o bote no rio. Eu fico pensando, como ele sabe tudo isso? Quando chego em casa, vou perguntar, dar mais ou menos uma hora de conversa com ele. Ele diz que antigamente os pais dele explicavam bastante sobre isso (a seca e a cheia dos rios) e já ensinavam desde cedo”, comentou o estudante e integrante do projeto, Renan Ferreira.
Por meio dessas atividades, o projeto reforça o senso de pertencimento e de responsabilidade dos alunos.
“Nós fortalecemos o sentimento de pertencimento deles com o próprio ambiente, fazemos com que eles se interessem pela ciência e mostramos para a comunidade o potencial dos pequenos. Esse serviço prestado através de um projeto transcende os muros da escola, não é só um projetinho feito dentro da escola, não é só um trabalho, é uma coisa que transcende os muros” afirmou a coordenadora.
O compromisso com a Ciência resiste aos desafios
Apesar da efetividade do projeto, a equipe enfrenta algumas dificuldades. Entre elas, estão os problemas de comunicação quando a internet falha na comunidade, especialmente em dias de chuva, quando o acesso se torna ainda mais complicado.
Para adquirir os materiais para montar alguns equipamentos, foi preciso se deslocar algumas vezes até a capital, para garantir que os instrumentos utilizados tivessem a qualidade exigida pelo trabalho.
“E como nós somos ribeirinhos e nós (professores) moramos lá na escola, eu, por exemplo, estou na escola na segunda e volto na sexta-feira para casa, porque não tem como ir e voltar todo dia. Então, tudo isso vai atrasando o nosso processo, entendeu? Então, se eu fui na segunda-feira e comprei a peça errada, eu só vou conseguir comprar ela no sábado, quando eu voltar,” explicou Thaini Alves.
A cada semestre, a professora responsável também atua em outra escola da região, o que exige deslocamentos constantes para acompanhar de perto as atividades realizadas na Escola Municipal São João. Apesar disso, os alunos mantêm o compromisso com o projeto e continuam a realizar suas tarefas.
Projeto destaque em feira de ciências
O projeto foi campeão na categoria Anos Finais, durante a XIII Feira de Ciências da Divisão Distrital Zonal (DDZ) Rural, realizada no dia 26 de setembro, na Escola Municipal Arthur Bisneto, localizada no km 04, da BR-174. O evento teve como tema “O encontro das águas: das lendas às ciências amazônicas”.

Registro da apresentação dos alunos e professora ao longo da XIII Feira de Ciências da Divisão Distrital Zonal (DDZ) Rural – Imagem: Thaini Alves
Durante a feira, os alunos apresentaram o projeto e concorreram com outros trabalhos desenvolvidos por escolas da região. Diante dessa conquista os estudantes compartilharam sobre a reação dos pais ao saberem do resultado.
“Os meus pais não acreditaram! O meu pai pensava que ia ser como todos os anos que não desenvolvia. Quando anunciaram o nome do projeto, ficaram muito surpresos. Ainda mais a minha mãe, ela me deu parabéns”, comentou Renan.
Com a conquista na etapa DDZ-Rural, o projeto vai participar no dia 13 de novembro, da etapa Municipal da Feira de Ciências, Tecnologia e Educação Ambiental, VII Exposição de Ciência, Robótica, Educação Ambiental, Tecnologia e Inovação (EXPOCRIATI) e concorrerá na categoria Anos Finais.
No dia 23 de setembro, o projeto também foi apresentado durante o XXII Seminário Interdisciplinar de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (SEINPE) e 1° Feira de Inovação, Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas (FICTEA), que ocorreu na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Manaus.

Apresentação do observatório no XII SEINPE e a 1° FICTEA, na UFAM – Imagem: Thaini Alves
Em meio a 220 projetos de iniciação científica e PCEs, o Observatório foi apresentado pelos alunos e chamou atenção por conta da qualidade do seu desenvolvimento. Os estudantes compartilharam sobre a experiência de viajar de São João do Tupé para representar a comunidade em Manaus.
“Foi a minha a primeira vez e quando estava indo no ônibus, eu estava ficando muito nervosa, mas quando cheguei lá eu não estava mais. Foi muito legal!” afirmou a participante do projeto, Camila Correia.
O projeto alcança nível Nacional
O Observatório de Estiagem foi selecionado entre os dez finalistas do Prêmio Nacional Liga STEAM 2025. A Liga STEAM é uma iniciativa da Fundação ArcelorMittal que valoriza projetos desenvolvidos por professores e estudantes voltados à busca de soluções para temas relevantes da sociedade.
Com foco em sustentabilidade e educação ambiental, o prêmio reconhece ações realizadas em escolas públicas brasileiras que promovem transformação por meio da ciência e da colaboração.
A equipe será representada pela professora Thaini Alves no dia 3 de novembro, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, durante a apresentação e premiação dos projetos vencedores do Prêmio Liga STEAM.
Apesar da tensão que antecede a viagem e a expectativa pelo resultado, a professora disse estar realizada pelo caminho construído junto aos alunos.
“É a prova de que a gente consegue fazer ciência que tem poder na Amazônia! Lá no meio da floresta, na beira do rio”, disse.
*Repórter do Portal da Ciência, sob a supervisão do Prof. Me. Gabriel Ferreira.
Foto: Thaini Alves




