CRÔNICAS DO COTIDIANO: O “sistema existe”: tem cara, nome e pouca-vergonha

Por Walmir de Albuquerque Barbosa*

Muito verbo tem sido jogado ao vento para sacramentar um dogma do sistema econômico aceito por
economistas, empresários de todos os setores da economia, políticos que fazem lobby para eles,
jornalistas e pelos pouco informados: o corte dos gastos públicos com os pobres é a solução para
o equilíbrio fiscal das contas públicas. Por um lado, parece certo: quem gasta menos do que ganha,
acumula riquezas; por outro, quem não ganha nada ou ganha menos que o necessário para a
sobrevivência como é que fica? Não pode, portanto, nem gastar nem economizar, mas a “teoria
econômica” sustenta uma engenharia fiscal de supressão de gastos com programas sociais como
garantia de higidez e sucesso. E o dogma, embora não faça parte da ciência, em economia, neste caso,
é aceito e desejável para manter a desigualdade social e dar um ar técnico à hipocrisia.


Na verdade, é um sistema que só subsiste numa formação social fundada historicamente na
desigualdade e na crença da predestinação calvinista da salvação e da prosperidade. Persistente
no Brasil, faz deste uma das nações mais desiguais do planeta, mesmo sendo, e talvez por isso, uma
das dez maiores economias do mundo, o que é, como se vê, um paradoxo. O resultado que sustenta
essa posição se explica pela concentração de renda nas mãos de uma ínfima parte da população e joga
na vala da pobreza e da miséria cerca de 50% do todo. As forças que emanam desses setores que
detêm o poder se estruturam no que chamamos de “Sistema Econômico Brasileiro”, apartado de todo
e qualquer interesse em superar a desigualdade e, para tanto, articula-se com as forças subalternas
que se agasalham na periferia desse sistema autopoiético, aquele que se auto reproduz.


Para melhor entender o nosso sistema, recorremos à didática explicação de Thomas Piketty:
“a renda compreende o que se ganha ao longo de um ano e pode provir das rendas do trabalho ou
do patrimônio (aluguel, juros, dividendos etc.); o patrimônio compreende o que se possui
(propriedades, bens profissionais, títulos financeiros etc.) e é sempre distribuído de modo em mais
desigual que a renda. A detenção de capital determina a estrutura das relações de poder: é óbvia,
com certeza, para a posse dos bens profissionais e os meios de produção, assim como para a posse
de moradia no marco de reprodução da vida privada familiar, e para a posse do Estado e do poder
público por meio da dívida pública, segundo diferentes modalidades” (Natureza, cultura e
desigualdades: uma perspectiva comparativa e histórica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2024, p. 16-17). O nosso Brasil tem um sistema econômico desigual porque nem todos podem contar
com uma renda anual que lhes garanta a sobrevivência; os que possuem renda têm um salário baixo;
o salário é mantido baixo para garantir a mais valia dos detentores dos bens e porque tem mais gente
procurando trabalho do que vagas para trabalhar. A classe média baixa só consegue a moradia própria
contraindo empréstimo bancário e esta vem a ser seu único patrimônio.


Os recursos auferidos pelo Estado com impostos (pagos com a renda do trabalho) não
garantem o financiamento das políticas públicas necessárias à sobrevivência dos que não têm renda
ou, quando esta é insuficiente, para os mínimos vitais. Para custear “programas sociais”, o Estado
recorre a Bancos Privados da elite financeira, que lhes empresta em troca de Títulos da Dívida Pública,
quitados pelo Estado com superávits orçamentários. Até aí seria tudo compreensível: quem empresta
tem que pagar! No nosso caso, os que acumularam e emprestam ao Estado, só dispõem desse
patrimônio financeiro para emprestar por causa do seu poder sobre o próprio Estado: não pagam
impostos ou são dispensados por leis que lhes garantem isenção. Financiam vários políticos e parte
da imprensa e formam opinião favorável à manutenção de seus privilégios. Justiça tributária é quando
todos pagam em igual proporção e assim garantem o Estado, as políticas públicas e sociais,
investimentos necessários à vida digna de todos. Quando um poder da República recusa-se a fazer
justiça tributária, trai o povo, mostra a cara no painel de votos, confirma a sua índole perversa e
perpetua a desigualdade social! Como diria Chicó: “Só sei que foi assim!”

*Professor aposentado do curso de Jornalismo (Decom/ FIC-Ufam), jornalista profissional.