CRÔNICAS DO COTIDIANO: “O Mapa do Caminho”

Por Walmir de Albuquerque Barbosa*

A bola da vez nas cabeças e nas bocas de ambientalistas, de negacionistas e de articuladores políticos dos movimentos sociais, cada um a seu modo, é o “Mapa do Caminho”. A expressão foi lançada no Discurso do Presidente da República do Brasil na abertura da “Cúpula do Clima”, evento que acolheu Chefes de Estado e de Governo e antecedeu o início da COP30, com a pretensão de contornar alguns paradoxos no caldeirão de divergências entre participantes e, também, para amenizar a determinação do Brasil em fazer novas prospecções de petróleo. Como uma luva, caiu nas mãos e no gosto dos que têm o dever de encontrar uma solução para as “Emergências Climáticas” e reduzir o nível da temperatura dos Oceanos. Virou chiclete para tudo! Tudo tem o seu “mapa do caminho” e só isso pode nos levar ao futuro e até salvar, quem sabe, a humanidade. É uma locução bonita, poética até, e dentro do pensamento wittgensteiniano de que o “mundo é um discurso e, ao mesmo tempo, um jogo”, isso importa. Partindo daí, pensei como sair do clichê para um outro tipo de reflexão, sem desprezar a importância que a expressão definidora da COP30 pode ganhar em resultado se carrear esforços para determinar um cronograma de abandono à exploração de fontes de energia fósseis e adotar fontes renováveis. A ideia pareceu-me, também, aplicável às coisas da humanidade, causas perdidas, veredas de vida que se fecharam e até ao descaminho que se deu às ideias de igualdade, fraternidade e liberdade.

De repente vi-me numa “sinuca de bico”: a COP30 está terminando e precisamos de muitos outros Mapas do Caminho que deem conta do que está acontecendo fora daquela imensa tenda, estendida em Belém sobre o que outrora foi uma pista de pouso transformada em centro de convenções, onde o mundo inteiro e suas mídias ali pousaram, cheios de esperanças para defender interesses em um mundo melhor, em cidades melhores de se viver e lutar contra o negacionismo climático. Lembrei-me do romance de Ítalo Calvino, As cidades invisíveis (SP: Companhia das Leras, 1990), obra-prima da literatura. Comparo, a grosso modo, as “COPs da ONU” à fictícia cidade de Eufêmia do romance, para onde todos convergem: “cidade em que se troca de memória em todos os solstícios e equinócios”. Nessa obra, Calvino retoma como personagens o viajante veneziano Marco Polo e o Imperador Mongol Kblai Khan. Os dois dialogam sobre as coisas do mundo e Marco Polo descreve as cidades imaginadas de um Império que nunca foram visitadas pelo soberano. Não é só uma descrição apenas, tem sentido, jogo, sentimento e reflexão em cada uma das descrições. E eis que, também como uma luva, circula na mídia a declaração vergonhosa do Primeiro-Ministro da Alemanha sobre Belém, dando conta a seus pares de Parlamento do alívio sentido por ele e por todos que consultou ao deixarem “aquele lugar” tão indesejável e, portanto, os alemães poderiam regozijar-se por viverem num país bonito. A sua xenofobia retoma um mapa do caminho tenebroso que o povo alemão superou, mas seus aliados querem reaver – uma nova “Noite dos Cristais”, reafirmando o supremacismo de extrema direita, agora, contra os imigrantes, a quem igualam a ladrões e estupradores, em pregações políticas perigosas.

Em andanças pelo nosso Brasil, os Mapas dos Caminhos nos levam a algumas Cidades do Sul, que devolvem aqueles que, por suas condições socioeconômicas, não se adéquam ao padrão cultural, moral e fenotípico dos povos que habitam a cidade; interditados, portanto, nos mapas do caminho da prosperidade. Outro mapa nos leva aos caminhos da “matança” em emboscadas dos desaventurados da vida, encurralados nas periferias e mortos pelo Estado, sem julgamento. Um mapa do caminho ainda borrado nos leva às veredas do crime organizado e suas tessituras, ligando Brasília, Estados da Federação, o sistema financeiro e os que lutam desesperadamente por cortes de gastos com os mais pobres. Isso nos leva a crer que o Chanceler Alemão não está sozinho. No mapa do seu caminho, a transição é reversa: nos tira de um mundo onde todos têm direito à vida digna, a ir e vir, à transparência nos negócios da República e nos leva aos descaminhos da barbárie fossilizada na cabeça das elites e de governantes autoritários, corruptos e perversos!

*Professor aposentado do curso de Jornalismo (Decom/FIC-Ufam), jornalista profissional.

Foto: Bruno Peres/Agência Brasil