Por Walmir de Albuquerque Barbosa*
Não me senti lisonjeado ou irritado mas incomodado ao ouvir de um “formador de opinião” em um desses podcasts da vida que um dos problemas dos idosos é que “eles vão perdendo a noção e o controle dos filtros”. Assim, de imediato, pareceu-me ofensa! Embora a programação fosse uma sucessão de lugares comuns para um assunto tão grave sobre idosos, o dito calou fundo. Não saiu da minha cabeça e, para livrar-me da perturbação, encarei a autoanálise. E cheguei a conclusão de que, apesar da discordância inicial, estava diante de uma verdade parcial: é bom, que em muitos casos e situações, idosos mandem os filtros para as calendas. Por que esconder convicções sobre as coisas ouvidas, lidas ou presenciadas, certas ou erradas, aceitas ou renegadas, vividas nesses meus 76 anos de idade por medo de ser mal entendido? Não precisamos ser um livro aberto, até porque, todos nós, temos páginas em branco e os livros são tantos que a maioria deles não é lida. Cada idoso tem uma leitura inconfundível do seu mundo e faça dela o que lhe aprouver, desde que não ofenda a dignidade de outros. E, nesse diapasão, vou revelar meus incômodos, começando com o uso de certas palavras: acho uma aberração o sentido que vem sendo dado ao uso das palavras “narrativa” e “polarização”. Na forma empregada no discurso político atual revelam despreparo, pouca inteligência, estratégia de marketing ou má-fé, e tenho dito! Narrativa não é sinônimo de “mentira”, embora a mentira possa ser uma forma de narrativa; e “polarização” não encontra lugar no mundo das objetividades sociais ou nas subjetividades humanas, senão como anomia social ou distúrbio psicológico. Entretanto, o que está intrigando mesmo a minha paciência, neste momento, é o uso da expressão “banda podre”, não pela fluidez dos significados múltiplos que contém, mas pelo desafio que vem fazendo à matemática e à compreensão das proporções que aprendemos ainda no pré-primário do ensino fundamental.
Minha birra com certas expressões ou palavras, com as quais lidei durante todo esse ano nas crônicas escritas e dadas a público, revela a minha maneira de lidar com os meus filtros. As palavras mencionadas e outras têm vida, têm poder, ferem ou acalmam, consolam ou desalentam. São armas a serviço da verdade, podem ser parte do jogo da sedução ou artefatos de guerra psicológica como está a acontecer com a expressão “banda podre”. Começou a rolar na imprensa para caracterizar os grupelhos degenerados das polícias que matam indiscriminadamente, ferem pessoas e os direitos humanos por conta de interesses escusos ou conluios com milícias do crime organizado. Em seguida, nominou os grupos de políticos encastelados no poder e que praticam descaradamente a corrupção com o dinheiro público ou auferem ganhos de outras vantagens nos poderes da República, começando pelo Executivo e o Legislativo e, agora, também, no Judiciário, com vários juízes e desembargadores e outros serventuários acusados de venda de sentenças ou informações, pegos com a boca na botija cometendo mal feitos que não vão para dento dos processos e tiram a culpabilidade de comparsas de crimes. A expressão já migrou para os operadores da área médica envolvida com casos que levam à morte quando prometeram promover a saúde; abarca, ainda, professores que se agrupam em bancas de concurso para conspurcar os resultados de seleção ou favorecer preferências ideológicas, trocar favores por publicações de artigos científicos que lhes rendam pontuação ou colocar-se contra a ciência. Chega a religiosos em guerra contra confrades usando o poder hierárquico para proibições absurdas. Refestela-se entre escritores, artistas plásticos e musicistas fazendo plágio e roubando descaradamente o talento alheio. Alicia jornalistas que se vendem a preço vil para difundir os interesses dos grupos empresariais a que servem ou monetizar fake news pelas redes sociais e pela Deep Web. Diante do exposto, é preciso encarar a realidade sem filtros, dar nome aos bois e contrariar a perversidade. A banda podre, matematicamente, já é mais que a metade do todo e de tudo que abominamos e denunciamos durante esse ano inteiro!
*Professor aposentado do curso de Jornalismo (Decom/FIC-Ufam), jornalista profissional.





