Por Larissa Gemaque, Maria Clara Rendeiro, Mayson Nogueira e Rebecca Canté*
Manaus é o município brasileiro com a maior população indígena do país, possuindo cerca de 71,7 mil habitantes, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE) em 2022. E a maior representação dos povos originários na capital amazonense vive na comunidade Parque das Tribos, localizada no bairro Tarumã-Açu, zona oeste da cidade.
Considerado o primeiro e único bairro indígena do país, abrigam-se aproximadamente 700 famílias entre 37 etnias que aonde ao longo de mais de 10 anos de existência da localidade ainda enfrentam inúmeras adversidades, como a falta de serviços básicos de saúde, segurança, infraestrutura, sobretudo o preconceito. Apesar disso, a comunidade segue na luta e assim encontrou na moda como um meio de resistência aos desafios do dia a dia, a fim de manter viva as suas tradições e culturas.
E como prova disso é o Ateliê Derequine – nome que, além de remeter ao clã Saúva do povo Witoto, significa um símbolo de resistência dos povos e é um dos principais mercados de moda indígena na capital amazonense. A sede fica localizada na comunidade Parque das Tribos e estimula o trabalho das mulheres indígenas pertencentes aos diversos povos do local, como Witoto, Mura e Kambeba.
O começo do projeto Ateliê Derequine teve como objetivo principal ajudar a comunidade, antes mesmo de trabalhar com a moda em si., pois o inicio de suas atividades foi em 2020, durante a pandemia da Covid-19, com ações voltadas para confecção e distribuição de máscaras à comunidade.
Apesar do pouco tempo de atuação, o projeto cresceu e se tornou destaque em diversos eventos voltados voltado à moda, pois além da função estética, a moda também é política. Por exemplo, os grafismos presentes nas diversas estampas contam as histórias sobre quem são, os seus valores e suas tradições, narrativas construídas a partir dos traços dos povos indígenas.
Para Vanda Witoto, liderança indígena do Parque das Tribos e fundadora do projeto, o Derequine é uma ferramenta política que comunica por meio da moda a representação e a luta dos povos indígenas, principalmente na capital amazonense.
“Nossas peças se tratam de uma linguagem que reivindica a ocupação de espaços, e sobretudo a contação da nossa história. Isso é muito potente e buscamos trazer isso como elemento central do nosso trabalho”, declara Vanda Witoto.
Processo de Confecção
O processo de produção das peças é realizado na varanda da casa de Vanda Witoto com a presença de uma única mesa para fazer toda a confecção das peças, o local se diferencia de um ateliê convencional. Mesmo sem nenhuma qualificação profissional de estilismo e moda, somente com o dom passado pelas gerações anteriores, as estilistas Lecia Witoto, Erika Witoto, Glayciane Mura e Carine Kambeba procuram passar a história e o simbolismo dos povos originários, mesmo com as limitações impostas por questões financeiras ou políticas.


Segundo a coordenadora do projeto, Lecia Witoto, o comércio das peças é realizado por meio das redes sociais e feiras expositivas. Os preços podem variar dependendo do tempo e do material utilizado na produção das peças, podendo ir de R$120 a R$700, o qual é considerado o maior valor por utilizar um tecido totalmente sustentável advindo do tucum e da semente do açaí.
Em relação ao tempo de produção, leva cerca de um dia para as peças encomendadas ficarem prontas. Lecia menciona também que as pinturas feitas à mão demoram entre duas a três horas, fazendo com que as roupas setor nem mais valorizadas no comércio. “O que não demora muito é o processo de costura, mas é a pintura que faz a peça ficar mais custosa”, relata.
Além disso ,a coordenadora destaca que as artes feitas nos tecidos carregam significados, que variam de povo para povo. “Então, no nosso grafismo, a gente vem com esse triângulo que representa a maloca do nosso povo. Significa casa de acolhimento e conhecimento ancestral”, finaliza. A costureira Erika Witoto também adiciona que essas variações podem ser percebidas nos próprios desenhos, o triângulo, por exemplo, pode significar buya, cobra na língua indígena.
As dificuldades também estão presentes no Ateliê Derequine, sendo o preconceito na própria terra o mais recorrente. As costureiras relatam como é comum sofrerem ações agressivas dos próprios donos dos eventos que o ateliê participa, as quais desrespeitam o trabalho feito nas comunidades indígenas. O medo de sair para expor as suas peças em Manaus prevalece como uma das razões para que o ateliê recuse vários convites de eventos, principalmente aqueles em que a Vanda Witoto não poderá estar presente.
“no nosso grafismo, esse triângulo que representa a maloca do nosso povo. Significa casa de acolhimento e conhecimento ancestral”, disse Lecia Witoto.
Loja e Galeria de Moda Yanciã
Um projeto que também faz parte do mercado de moda indígena em Manaus fica localizado no Centro Cultural Casarão de Ideias, na região central da capital. A loja e galeria Yanciã, coordenada por Elijane Nogueira, diretora executiva da marca, busca por meio de seu trabalho fortalecer a economia local e a identidade das comunidades tradicionais amazonenses, sobretudo a indígena.
O nome da marca é composto a partir da junção da palavra tupi-guarani Jaci – a deusa da lua presente na lenda da vitória régia -e anciã- para honrar os conhecimentos das mulheres que estão presentes na produção das peças. A principal motivação para o surgimento da marca, a qual faz parte de uma associação de bioeconomia, foi questionar o método de confecção adotado pela moda contemporânea, onde há a exploração de mão de obra e recursos naturais. “Porque a gente precisa perguntar, né? De onde vem tudo que a gente usa? A roupa, os acessórios, tudo, né? Tem que ter origem de um material, é alguém que faz.”, indaga Elijane.
O objetivo da marca é “misturar” aspectos da moda indígena tradicional com o estilo mais moderno, a fim de mostrar uma visão menos estereotipada a respeito da moda utilizada pelos povos originários. Cada peça da Yanciã carrega consigo uma história que integra à modernidade o valor ancestral. “Acho que aliado ao fortalecimento econômico, tem que vir o fortalecimento social, que é essa parte da valorização da identidade, do corpo, dos nossos saberes.”, diz a diretora executiva.



Na loja, a definição dos preços de cada peça vai além dos custos com a matéria-prima e o tempo de confecção. Esse processo envolve- em grande parte- o peso histórico dos saberes e o respeito com as mulheres que os passam para as vestimentas, levando em consideração a possibilidade da troca de conhecimentos artesanais indígenas com as pessoas que adquirem os produtos.
A venda das vestimentas é feita tanto através de exposições na loja física quanto na criação de conteúdo para as redes sociais, o que eleva a marca para além do mercado manauara, permitindo uma maior comercialização dentro e fora do Brasil.
Para Elijane, expor seus trabalhos é uma forma de valorização da cultura de comunidades do Amazonas através da inserção dos saberes tradicionais indígenas na moda. “E eu faço esse trabalho no Amazonas, mas eu tenho esse interesse na Pan-Amazônia, que são todos esses conhecimentos que estão aqui nos nossos territórios, para ir além, para a gente mostrar isso, essa capacidade que a gente tem de criar, de fortalecer a nossa economia, de certa forma.”, explica.
Fotos: Maria Clara Rendeiro
Confira abaixo a reportagem na versão do impresso:
*Reportagem vencedora do Prêmio Expocom Nacional de 2025 sob orientação do Prof. Me. Gabriel Ferreira



