Baixa arborização em Manaus é responsável por desconforto térmico da população

Por Agatha Gonçalves e Luísa Geber*

Manaus é naturalmente privilegiada por ser uma cidade que fica localizada no coração da Amazônia, no estado brasileiro que tem o total de 135,2 milhões de hectares de cobertura natural do solo registrados em 2022 pelo MapBiomas e Observatório do Clima. Apesar disso, não está entre os 15 municípios com maior participação na cobertura natural do solo do estado, pois representa apenas o equivalente a 0,7% do total. Nesse sentido, a falta de arborização a torna uma “cidade de pedra” e traz muitos malefícios ao clima e à população.

Os manauaras vivenciaram no dia 2 de outubro de 2023 a temperatura mais elevada em 30 anos de forma preocupante. Segundo informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), os termômetros da capital amazonense marcaram nesse dia 39,2ºC às 15h. Naquele cenário a estiagem preocupava as pessoas e a maioria delas passava mal de calor.

O recorde de temperaturas não é um registro avaliado de forma isolada, tendo em vista que o número de queimadas e de desmatamento tem se intensificado nos últimos anos no estado e que corroboram para o calor extremo. Em relação aos focos de incêndios, a maior quantidade analisada foi de 21.217 em 2022 (entre os anos 2013 a 2023). Já no que diz respeito a quantidade de área desmatada, o Amazonas registrou 3.000 hectares a menos em 2022, o maior valor registrado no mesmo período supracitado.

Fonte: Monitoramento de queimadas/ INPE

Arborização x Ilhas de Calor

O Geógrafo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Carlos Durigan, destaca o papel relevante das árvores, dos parques e das áreas verdes na redução do aquecimento das superfícies e consequentemente das temperaturas.

“Os espaços urbanos que são constituídos por pavimentos, seja ele asfáltico, seja de concreto, essas superfícies absorvem muito calor”, disse. Destacou, portanto, o fenômeno das ilhas de calor, que ocorre nos centros urbanos, em que a falta de arborização desses centros dificulta a baixa das temperaturas por meio da evaporação da água das plantas e onde há a redução de sombras possibilitando um solo mais aquecido. Assim, o acúmulo das estruturas, como edifícios e pavimentos da cidade, findam absorvendo mais calor e o liberando mais lentamente.

Fonte: Royal Meterological Society – Rodrigo Cunha / Revista Pesquisa FAPESP

“Áreas verdes têm um papel crucial para melhorar a qualidade de vida com a redução da temperatura e ao mesmo tempo melhorar a relação de umidade do ar”.

Geógrafo e ambientalista da UFAM, Carlos Durigan

Ouça a entrevista com Carlos Durigan:

Nesse sentido, é possível perceber até mesmo caminhando pelas ruas da cidade que Manaus não é tão arborizada quanto deveria e que isso causa impactos negativos até mesmo para o comércio e a qualidade de vida dos trabalhadores urbanos.

Jarlisson Santos, vendedor ambulante há 22 anos, tem uma banca de frutas localizada entre as ruas Saldanha Marinho e Barroso, no bairro Centro. De acordo com ele, a falta de árvores causa mormaço que o deixa desconfortável durante as vendas e que o calor afeta não somente ele, mas a qualidade dos seus produtos.

“Tinha mais [árvores]. [..] E afeta muito as nossas frutas também por conta do calor, murcha tudo, é muito difícil”.

Vendedor ambulante Jarlisson Santos

Ele relatou que faz de tudo para se proteger do sol com um sombreiro e coloca a sua banca bem embaixo de uma mangueira do local.

Consciência ambiental com Grupo de Pesquisa

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, Manaus tem apenas 23,9% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização. Não é apenas uma questão de falta de árvores na cidade, mas de criar uma consciência ambiental tanto para plantar e promover espaços mais verdes, quanto de preservar espaços públicos que ainda tenham árvores em seu entorno.

Yêda Arruda, docente da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e líder do Grupo de Pesquisa “Árvores do Asfalto” procura com os demais integrantes levar a ideia às pessoas do que é saúde ambiental por meio do plano de arborização, desde 2019.

Fonte: IBGE 2010. Arborização de vias públicas de Manaus. Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/am/manaus/panorama

“Nós precisamos adotar medidas de conscientização da população para manter a vegetação que está plantada, e também a conscientização dos empreendedores quando eles estão construindo, para que eles entendam que é preciso deixar uma área para que sejam feitos os serviços ambientais, para que tenham locais de calçada, para trânsito de pedestres, para cadeirante, para plantio de árvores e também a colocação de mobiliários urbanos como bancos, lixeiras e luminárias.”, disse Arruda em entrevista.

O “Árvores no Asfalto” foi o primeiro Grupo de Pesquisa da região Norte voltado para arborização urbana. O grupo faz um trabalho forte nas praças de Manaus, onde é feito levantamentos do mobiliário urbano, das espécies plantadas, da saúde das árvores, etc. Os integrantes também fazem levantamento de custos ambientais para elucidar à sociedade sobre quanto o vandalismo é um fator de atraso no trabalho de conscientização ambiental, tendo em vista que muitas mudas são roubadas.

Outro ponto problemático que a professora e pesquisadora destacou é o crescimento acelerado da cidade. De acordo com ela, a expansão territorial cresce por meio das invasões. Nesse contexto, quando as pessoas se assentam nessas áreas não há um planejamento para a construção de calçadas, o que impossibilita o plantio de árvores nesses locais.

Como forma de contribuir ativamente na sociedade, o “Árvores no Asfalto” realiza o trabalho em parceria a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) para fomentar informações técnicas dentro de uma racionalidade socioambiental, a fim de proporcionar uma visão diferente de como o trabalho à nível governamental de arborização pode ser melhorado. Nesse contexto, salientam que o “raciocínio socioambiental” é entender que existem algumas espécies que seriam perfeitamente adequadas para determinado local, mas que são espécies de difícil aquisição, de poda ou de controle de pragas.

A professora Yêda relatou que as plantas trazem benefícios como diminuição das ilhas de calor, conforto térmico, diminuição da poluição sonora e poluição atmosférica. Porém, nem todas as espécies de plantas são capazes de fazer isso.  Nesse sentido, o grupo faz pesquisas visando também encontrar espécies que consigam se desenvolver com maior independência, sem tantos tratos silviculturais, até mesmo visando a diminuição do custo de manutenção de um órgão público.

Para a professora Yêda Arruda, a população tem um papel fundamental de não somente fiscalizar, mas principalmente de ser um agente de preservação e conservação, para que a arborização da cidade de Manaus melhore. Ela entende que isso é um trabalho conjunto não somente da acadêmia, mas de órgãos públicos fazendo seu trabalho.

Confira a entrevista de Yêda Arruda:

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Ações governamentais

No que tange às ações da Prefeitura de Manaus para mitigar esse problema que não deve ser visto de forma isolada, mas como projeto de urbanização da cidade, a Semmas realiza a doação de mudas de plantas arbóreas, frutíferas, ornamentais e medicinais por meio do Programa Manaus Verde.

Segundo informações obtidas no site da prefeitura, no ano passado foi lançado um aplicativo que realiza o georreferenciamento desses serviços. Os técnicos podem registrar o local, a espécie e autor do plantio, confirmando com uma foto que a muda foi plantada. Porém, o acesso a essas informações limita-se aos funcionários da secretaria, o que não facilita a transparência à população.

Outro ponto relevante para se destacar e que vai na contramão do trabalho que a própria secretaria realiza é a construção da nova sede no Parque dos Bilhares, localizado no bairro Chapada. De acordo com uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e pela Fiocruz em 2012, os bairros Chapada, Alvorada e Dom Pedro são “ilhas de calor” e à época foi registrado nesses locais 8 graus acima das demais áreas da cidade. Mesmo que no projeto conste que árvores foram remanejadas para outras partes do parque e que outras árvores haverá reposição florestal em outras áreas, construir uma nova sede em um local que naturalmente já possui menos árvores não é coerente.

Trabalho em conjunto

Há um grande trabalho de conscientização ambiental pela frente para ser feito na capital amazonense, que necessita de forças em todos os âmbitos (tanto da sociedade civil quanto governamental). A problemática da falta de arborização é séria, pois não afeta somente os locais que não possuem uma quantidade grande de árvores, mas a saúde das pessoas, o comércio e o equilíbrio ambiental. Assim, pensar em meio ambiental não deve ser mais visto como uma causa isolada de poucas pessoas e estudiosos, mas de toda uma população em prol do bem-estar e da capacidade de reverter os danos causados ao planeta.

*Acadêmicas do 5º período de Jornalismo da FIC-UFAM. Trabalho realizado para a disciplina Jornalismo Digital sob orientação da Profa. Dra. Cristiane Barbosa e Prof. Me. Gabriel Ferreira.

Foto: Ágatha Gonçalves.

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