Aos conhecidos que perdi

Por Gabriel Ferreira*

A perda não foi somente minha! Foram milhares de pessoas amadas por seus familiares, amigos, conhecidos. Tantos arrancados de nós da maneira mais brutal e inimaginável.

Nem sequer pudemos nos despedir. Não deu tempo de quase nada.

Faço memória especialmente aos que perdi na batalha contra a covid-19. Talvez aqui neste texto não estejam na ordem certa, mas isso é de menos. As lembranças serão as coisas boas da vida ainda que fossem um pouco distantes de mim.

Tia Zelly, a mais sorridente, brincalhona e acolhedora mulher moradora do Distrito da Barreira do Andirá. Foi tão rápido. A nossa última conversa sobre os planos do meu casamento, da vida em Manaus e os novos desafios pela frente. O último abraço foi tão bom e aconchegante. Poderia ter demorado um pouco mais.

Seu Raimundo, um verdadeiro artífice, homem trabalhador, honesto, mariano da fita vermelha. Foi levado de nós sem uma última conversa. Apesar das poucas oportunidades de conversa, sempre teve minha admiração por tudo que fez na vida.

A José Silveira, o Zezinho, um grande cara, exímio violonista, engraçado e gente boa. A vida pregou uma peça. Sabemos bem o que lhe faltou, sobretudo em Parintins. Lembro das missões que vivenciamos juntos na Igreja Católica. Acredito que a sua morte repentina não foi por culpa de Deus, mas a negligência dos homens. A mesma negligência ceifadora de vidas felizes, apaixonadas e cheias de sonhos.

Aos colegas do Jornalismo Parintinense, Altair de la Costa, grande cinegrafista do Sistema Alvorada de Comunicação. Ainda criança lembro deste nobre guerreiro pelas ruas trabalhando, enquanto sequer imaginava um dia estar na condição de jornalista e atuando na mesma área que ele. Nunca trabalhamos juntos, mas a admiração da minha parte sempre existiu. A impressão sempre foi de um homem gentil, humilde e generoso.

E o folclórico Aderaldo Reis, uma figuraça, radialista do povão, querido por muitos na ilha. Acompanhava quase que diariamente seu trabalho na TV, de jeito caricato, distantes das técnicas do Telejornalismo, mas próximo da informação. Seu bordão “se você não quer que seu nome apareça, não deixe que o fato aconteça”, dizia bem como era o trabalho de Aderaldo. Nunca trocarmos sequer figurinhas, mas dava pra entender o quão querido ele era.

Há tantos outros, conhecidos levados pela pandemia mais mortal da história moderna.

Ainda que tudo escrito pareça mera lamentação, faz-se a lembrança e ainda que singela homenagem. Não sei se os parentes e amigos vão ler esse texto, mas se um dia lerem o que aqui está escrito, saibam que nada foi em vão.

Me despeço aqui, para deixar claro, não podemos deixar de esquecer o que foi a pandemia da Covid-19. Não nos calemos, vamos falar, escrever e contar o que foi fato foi tudo isso. Para que não se repita. E que se combata o negacionismo e a falta de humanidade até porque o papel de agente social do jornalista é de transformação, luta e resistência. Avante!

Aos conhecidos que perdi, lutaremos por suas memórias e ainda que pouco, não deixarei de fazer minha parte. A você nobre colega leitor, vamos juntos?

*Jornalista, pesquisador e professor universitário

Foto: Michael Dantas/AFP

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