Por Fernanda Soares, Heloise Bastos e Rebeca Almeida*
Manaus, que já foi conhecida como a “Paris dos Trópicos”, agora passa por momentos de lutas contra a crise social, econômica e humanitária.
Contexto Histórico
O paradoxo da cidade é visível na região do Centro, que na época do boom da borracha era considerado o ponto de encontro da alta sociedade da época, mas que, atualmente, se encontra abandonado pelo poder público.
Com as constantes crises econômicas, o legado de pobreza deixado pela desindustrialização da Zona Franca, o Centro da cidade se tornou uma área de risco, apresentando as “Cracolândias”, pontos de venda e consumo de drogas.
Infográfico sobre a evolução do Centro Histórico de Manaus

Com as constantes crises econômicas, o legado de pobreza deixado pela desindustrialização da Zona Franca, o Centro da cidade se tornou uma área de risco, apresentando as “Cracolândias”, pontos de venda e consumo de drogas.


Cracolândias
As áreas conhecidas como Cracolândias, alocam pessoas em situação de rua, que devido ao abandono estatal, encontram como meio de sobrevivência o tráfico de drogas e com a convivência no meio marginalizado fazem o uso dessas substâncias ilícitas também.
A exclusão econômica, a fragilidade ou rupturas de vínculos familiares e problemas de saúde estão entre as principais causas que levam as pessoas à situação de rua.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) destacam ainda problemas com familiares e companheiros, desemprego, uso abusivo de álcool e outras drogas, além da perda de moradia como
fatores determinantes.
Infográfico com as principais causas do problemas, segundo o IPEA

Situação dos moradores de rua
De acordo com Noélio Martins, Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia e autor do livro “Baldios: Os Invisíveis Desapossados da Cidade”, houve um crescimento da população que passou a morar nas ruas.
Existem secretarias municipais que são responsáveis por prestar assistência à pessoas que estão nas ruas, como a Secretaria Municipal da Mulher, Assistência Social e Cidadania (Semasc).
De acordo com o Ministério Público do Amazonas (MPAM), a Semasc “tem como finalidade promover o desenvolvimento humano no município da cidade de Manaus”, também sendo responsável por “garantir o pleno exercício de direitos humanos e sociais e contribuir para erradicação da pobreza e extrema pobreza”. Porém, a Secretaria não possui dados atualizados das pessoas em situação de rua desde 2022
Segundo Martins, a falta de censo e intervenções adequadas contribui para o crescimento da população na rua e o crescimento das “Cracolândias”.
“As pessoas em situação de rua vivem uma vida animalizada e humilhante sem acesso aos seus direitos básicos”.
Noélio Martins, pesquisador.
Impactos
Na grande maioria dos moradores de rua recorrem à venda de drogas ilícitas e à utilização também, passando a ser usuários. De acordo com a Fiocruz, cerca de 35% da população em situação de rua do país referem o uso abusivo de álcool ou de outras drogas como a principal motivação para passar a viver e morar na rua.
Com a persistente crise econômica no Amazonas, que se intensificou mais ainda durante a pandemia de Covid-19, mais pessoas recorreram a ONG’s e os que não conseguiram ajuda foram para a rua.
Estimativas feitas pelas organizações que realizam esse processo de ajuda mostram que, entre 2021 e 2022, o número de acolhidas em Manaus por elas mais que triplicou.
Sem o aparato do Estado, a procura de assistência social em centros de acolhimento é uma das únicas soluções encontradas pela população de rua para manterem o mínimo de seguridade dos seus direitos.
Segundo Noélio, “é preciso ter autonomia para ter dignidade, o que inclui trabalho, documentos, residência e roupas”. Essas são elementos essenciais que são negados às pessoas que perderam seus lares fixos e fazem o que podem para sobreviver.
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Assistência Social
A Secretaria de Assistência Social não oferece suporte suficiente para pessoas em situação de rua, o que evidencia a necessidade de fortalecer e expandir os serviços de acolhimento.
No entanto, há uma luz no fim do túnel. Localizado nos fundos da Igreja Nossa Senhora dos Remédios, o Centro de Acolhida do Povo, em homenagem a Dom Sérgio Castriani, oferece esperança para os que se
encontram em situação de vulnerabilidade.
O centro não apenas proporciona abrigo, mas também se tornou um símbolo de refúgio e alento em meio ao desamparo.
A assistente social Ana Maria Bezerra, responsável pelo Centro de Acolhida, comentou como é o processo de abordagem dessas pessoas.

“Nós como pastoral oferecíamos apenas a alimentação, porém após a pandemia implementamos a abordagem de escuta. Eles nos conhecem e nos contam o seu socorro, é uma abordagem para conhecer a realidade deles e saber até que ponto podemos intervir”.
Apesar de não contar com abrigo, o local de assistência possui liberação de roupas doadas, itens de higiene pessoal e banho e alimentação. Os voluntários também proporcionam rodas de conversa, onde quem precisar pode contar com ajuda, como encaminhamento para hospitais e órgãos públicos de atendimento social.
Dona Graça, como é carinhosamente conhecida no Centro de Acolhida, é responsável por receber as doações de roupas, que são organizadas por tamanho e gênero, sendo a maioria do gênero masculino, pois a maior parte do público atendido são homens.



“A gente tenta fazer um pouco do que muitos poderiam fazer. Depois que eles (os usuários) vêm aqui, eles sempre voltam, já que na cidade não tem torneiras públicas, e aqui eles encontram água potável à vontade”, afirmou Ana Bezerra.
Aos domingos, há uma cozinha solidária. As pessoas em situação de vulnerabilidade social que já frequentam o centro e aquelas que estão indo pela primeira vez recebem comida em seus pratos, e nada é descartável. Há um momento religioso de benção do alimento e, em seguida, o momento de escuta social.
Bezerra ainda disse que, no centro de acolhimento, “não damos apenas comida porque eles não precisam só de comida. Eles precisam de outras coisas. Precisamos garantir o direito deles e saber de que forma podemos assegurar esses direitos”.
De acordo com os voluntários, o maior obstáculo encontrado é a falta de centros de recuperação, dos quais o Amazonas só possui o Centro de Reabilitação Química Ismael Abdel Aziz.
Isso significa que muitas pessoas podem não ter acesso a um local seguro para passar a noite, proteger-se das condições climáticas adversas ou simplesmente ter um ambiente tranquilo para descansar.
A falta de recursos como abrigos e centros de recuperação adequados pode limitar significativamente as capacidades de intervenção de especialistas como Ana Maria. É mais difícil fornecer às pessoas em situação de vulnerabilidade as condições essenciais para começar a reconstruir suas vidas sem esses recursos.
“Hoje eu sou uma assistente social que tirou uma venda dos olhos, hoje eles vem pra mim, hoje eu vejo eles”.
Muitas pessoas em situação de rua enfrentam dificuldades significativas para acessar serviços básicos. Logo, a iniciativa proporciona a essas pessoas a oportunidade de receber assistência social e cuidados médicos essenciais, como exames de saúde geral, consultas médicas e orientações sobre condições de saúde específicas.
Enquanto o governo estadual não apresenta planos de ajudar a esses indivíduos, os alunos da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) visitam o centro de acolhida do povo a cada três meses para realizar exames médicos e consultas.
Projetos de Lei
Em São Paulo, está em tramitação o Projeto de Lei 445/2023, que prevê a possibilidade de aplicação de multa para quem descumprir regras para doação de alimentos para moradores de rua.
A assistente social Ana Maria contou que discorda dessa PL e acredita que devem ser criadas políticas públicas que ajudem e que sejam eficazes como saúde, alimentação e segurança.
O Centro de Acolhida do Povo da Rua Dom Sérgio Castriani fica localizado na Rua Leovegildo Coelho, 237 – Centro, Manaus.
Funcionando de segunda à sexta das 8h às 14h, e recebem doações de alimentos, roupas e itens de higiene pessoal.
Para lidar com os desafios enfrentados no Centro Histórico de Manaus, especialmente em relação à população em situação de rua e outros problemas urbanos, é preciso investir na coleta regular e as secretarias públicas precisam atualizar os dados sobre a população de rua para melhorar o atendimento das suas necessidades.
Campanhas educativas e de sensibilização também precisam ser desenvolvidas para promover a solidariedade comunitária, não apenas buscando aumentar a conscientização sobre questões sociais, mas
também encorajando a participação ativa na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Neste cenário de desafios e esperanças, cada passo dado reflete um compromisso renovado com o bem-estar coletivo e a construção de um futuro mais inclusivo para todos.
*acadêmicas do 5º período de Jornalismo da FIC-UFAM, com a supervisão da profa. Dra. Cristiane Barbosa e Prof. Me. Gabriel Ferreira, pela disciplina de Jornalismo Digital.
Fotos e vídeo: Heloíse Bastos
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