Por Eduardo Martins
Parece óbvio, mas não custa lembrar que, em qualquer nação desenvolvida, não existe progresso sem ciência; também não pode existir ciência sem cientistas; e ainda não existirão cientistas sem a paixão da próxima geração de crianças e adolescentes pela construção do conhecimento. Em outras palavras, o futuro do desenvolvimento científico e tecnológico passa pela comunicação da ciência com toda a sociedade hoje. É com essa ideia que foi criado o Programa Nacional de Popularização da Ciência – Pop Ciência – por meio do Decreto presidencial Nº 11.754/2023, com o objetivo de desenvolver a cultura científica e estimular a prática da ciência, tecnologia e inovação para promover a inclusão social e reduzir as desigualdades sociais no Brasil.Finalmente, depois de 11 meses do lançamento do Programa, foi publicada no último dia 19 de setembro a Portaria Nº 724/2024, do Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), que indicou os nomes para o Comitê Pop Ciência, responsável por propor elaboração de normas e diretrizes sobre a popularização da ciência e tecnologia, além de identificar necessidades da área e elaborar documentos técnicos. Como não poderia deixar de ser, o Comitê também visa desempenhar papel de articulação política junto às diferentes instâncias do Governo Federal, avaliando, a cada dois anos, os resultados das políticas de popularização da ciência e tecnologia em todo o território nacional.
Para cumprir essa nobre missão, essa Portaria apontou 29 nomes titulares e 26 suplentes de diversas áreas, como dos Ministérios governamentais (Ciência & Tecnologia, Educação, Cultura, Igualdade Racial, e Povos Indígenas); também de eventos acadêmicos nacionais (Feiras/Mostras de Ciências e Olimpíadas Científicas), órgãos de classe (movimento estudantil, sindical, serviço social da indústria); Associações Científicas, (ABC, ABCMC, ABPN, SBPC); Conselhos e Fóruns (CNPq, CONFAP, CONSECTI, CONSED, FORPROEX, UNDIME); Institutos e Fundações (IBRAM, FIOCRUZ), entre outras redes acadêmicas.
Entretanto, mesmo congregando uma notável diversidade de entidades, pudemos encontrar entre seus titulares somente um único nome que atua e vive a realidade da popularização científica na Região Norte, a saber, uma professora da UFPA. E perguntamos: Por quê? Por que Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia e Tocantins não poderiam ter pelo menos um represente no Comitê POP Ciência com olhar específico para a região? Por que quando o assunto é política pública educacional recebemos menor visibilidade? Por que a ciência do Norte não é impulsionada como em outras regiões?
A resposta é relativamente simples: se nunca houve uma forte atuação das Feiras de Ciências, ou se nunca houve um forte engajamento/resultado em Olimpíadas de Conhecimento, ou ainda, se nunca houve uma a instalação de uma rede de Museus sediados no Norte do país (para ficar em apenas três exemplos), também não teremos representantes de destaque que olhem para a nossa realidade pan-amazônica. Por consequência, o Comitê POP Ciência não tem representantes dessa região geográfica e, naturalmente, as políticas públicas de ciência, Tecnologia e Inovação continuarão sem olhar para esse canto longínquo do país, reiterando e aprofundando um terrível ciclo vicioso. Apesar do Programa Pop Ciência destacar como um dos seus princípios o enfrentamento das desigualdades regionais, como se lê no Art. 3º do Decreto presidencial que o criou, são poucos os que conseguem observar essa assimetria oculta. Como diria o ditado popular: “o que os olhos não veem, o coração não sente”.
Assim, vale mencionar que essa situação não é uma novidade. É uma mazela bem reconhecida e documentada. Pergunte ao Google e olhe os dados oficiais: Quais estados possuem menos cursos de Pós-Graduação na CAPES? Quais estados possuem menos grupos de pesquisas cadastrados no CNPq? Quais Revistas científicas Qualis A1 estão sediadas em Instituições do Norte? Quantas vezes a Reunião Anual da SBPC (em 76 edições) foi realizada em um dos estados pan-amazônicos brasileiros? Qual palestrante vindo do Norte do Brasil estava na programação da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia realizada 2024? Qual região do país possui menos bibliotecas públicas? Quais Estados possuem menos centros de ciências, museus, planetários ou feiras científicas cadastradas no MCTI? Existe algum coordenador de Olimpíada Científica Nacional residindo no Norte? Como se pode imaginar, a resposta é não. Será que não está na hora de atividades que recebem o nome de “nacional” incluírem a Região Norte como parte do Brasil também? Por que nem mesmo o Governo Federal, ao montar uma equipe com especialistas, sente falta de um representante da maior região territorial da nação?
Mas esse não é um texto de lamento, e sim de resiliência. Apesar de todas as dificuldades, a Ciência da Região Norte do país não apenas existe, mas também resiste em pé, perseverante e persistente. Nossos alunos e professores têm dificuldades (até com acesso à internet), mas demonstram muita força para desenvolverem sua graduação e pós-graduação; para comprarem “de fora” as obras acadêmicas mais atuais; para viajarem e financiarem suas participações em congressos nacionais e internacionais – quase nunca realizados no Norte; e ainda publicarem em revistas científicas. Não é incomum que os pan-amazônicos precisem sair do seu estado para se qualificarem, porque o povo do Norte tem o desejo de crescer e se desenvolver. O que nos falta são condições e oportunidades.
Dessa forma, ficamos na torcida que o Programa Nacional de Popularização da Ciência – Pop Ciência – possa incentivar iniciativas de popularização da ciência para combater assimetrias regionais, ainda que seus representantes tenham que desenvolver um olhar solidário para a Região Norte. Aqui também se faz Ciência de boa qualidade. Querem apostar? Nos deixem mostrar nosso potencial!