Raízes do saber: encontro da tradição e ciência na produção de fitoterápicos no AM

Por Ana Paula Souza, Fernanda Soares, Flávia Gomes, Heloise Bastos e Rebeca Almeida*

Raimundo Soares, de 37 anos, nascido e criado no Careiro da Várzea, trabalha na produção do óleo de andiroba há 10 anos. Seguindo o legado da família, Raimundo aprendeu com o seu pai o modo de produção da mercadoria, e atualmente ele dedica seu dia a dia à extração do óleo de andiroba, utilizando apenas métodos artesanais que preservam as qualidades terapêuticas do produto.

A produção da andiroba garantiu o sustento da família de Raimundo por muitos anos, e até hoje ele valoriza esse trabalho tão importante para a região amazônica, distribuindo a mercadoria na capital Amazonense.

“Meu pai sempre trabalhou com isso e fez questão de passar para família, até porque era o que nos sustentava, trabalhamos muito com isso e tenho muito orgulho de fazer parte dessa produção, e quero passar isso adiante”, declarou o produtor.

O uso sustentável de plantas medicinais têm ganhado destaque na discussão sobre os efeitos de medicamentos no dia a dia da população. Por serem muitos comuns e fáceis de achar e utilizar, as plantas medicinais são usadas para o tratamento de diversos sintomas. Sendo assim, é muito comum a venda e o consumo dos remédios não só em comunidades tradicionais, mas também em centros urbanos, reforçando a importância de políticas públicas que aliem o conhecimento dos povos tradicionais à validação científica, garantindo segurança, preservação ambiental e respeito às culturas originárias.

O modo de preparo do óleo da Andiroba

De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (IDAM), entre 2010 a 2022, haviam aproximadamente 1.570 produtores de Andiroba no Amazonas. Cada safra começa com a coleta manual das sementes maduras, assim como a secagem e moagem cuidadosa antes da prensagem, garantindo um óleo puro e de alta qualidade.

Comprometido com a sustentabilidade, Raimundo planta novas mudas a cada ciclo de colheita, com o intuito de abastecer feiras de produtos naturais em Manaus e pequenos fabricantes de cosméticos, levando o fruto de seu trabalho diretamente da várzea aos consumidores urbanos.

Andiroba comercializada no Mercado Adolpho Lisboa. Foto: Heloíse Bastos

Essa árvore nativa da Amazônia, que pode alcançar até 30 metros de altura, desempenha um papel fundamental na preservação da biodiversidade da floresta. Suas sementes, ricas em óleo, são aproveitadas por comunidades locais para a produção do óleo de andiroba, um recurso natural com alto valor terapêutico e comercial.

A extração mais comum entre as comunidades é a extração a frio, usada como forma de preservar as propriedades anti-inflamatórias e antimicrobianas do óleo. Entretanto existem outros métodos, a extração por solventes, por exemplo, é mais utilizada em escala industrial por oferecer maior rendimento, contudo ela pode comprometer os compostos terapêuticos do
remédio.

O cuidado na escolha do método reflete uma preocupação crescente com a qualidade do produto e com os impactos ambientais da cadeia produtiva, já que preservar a eficácia medicinal do óleo é essencial para sua aceitação no mercado e no uso terapêutico.

As propriedades terapêuticas do óleo incluem ação analgésica, anti-inflamatória e hidratante, tornando se assim um recurso valioso, especialmente para populações que vivem longe dos centros urbanos e possuem acesso limitado à medicina convencional. A valorização desses saberes tradicionais contribui para a preservação cultural e para o fortalecimento da
medicina natural no Brasil.

O uso cotidiano de plantas medicinais

Dona Edenir Almeida, aos 75 anos, faz das plantas medicinais um verdadeiro remédio caseiro em sua rotina diária como dona de casa. Atenta aos ensinamentos passados por sua mãe, ela procura sempre consumir chás e remédios caseiros, produzidos a partir de ervas medicinais como o boldo, já que para ela não há tratamento mais eficaz e natural do que um
bom chá de boldo.

Edenir Almeida, dona de casa que faz uso de plantas e remédios naturais. Foto: Rebeca Almeida

“Quando eu era pequena minha mãe só usava remédios de planta, e eu procuro continuar fazendo mesmo que as pessoas só gostem de remédios de farmácia, pois eu tenho mais fé nos remédios de planta’’, declarou a dona de casa.

Tradicional na casa da Dona Edenir, o boldo é uma das plantas medicinais mais conhecidas quando o assunto é alívio de problemas digestivos. Suas folhas, amargas e aromáticas, são geralmente usadas no preparo de chás que ajudam no tratamento de má digestão, azia, náuseas e desconfortos no fígado.

Colhido do quintal ou comprado em feiras e farmácias, o boldo continua sendo um dos remédios naturais mais lembrados pelas avós e recomendado nas receitas caseiras que atravessam gerações.

Alguns dos diversos remédios naturais encontrados na casa de Edenir. Foto: Rebeca Almeida

Outra erva medicinal encontrada na casa de Edenir é a Erva-de-santa-maria, popularmente conhecida como Mastruz, ela é amplamente valorizada por suas propriedades expectorantes, anti-inflamatórias e vermífugas. Suas folhas são utilizadas principalmente no preparo de chás ou sucos, indicados para aliviar sintomas de gripes, tosses, bronquites e problemas respiratórios.

“ Eu gosto muito do Mastruz e acho que ele é muito bom, tanto ele serve para beber o sumo como para fazer emplastro para passar nas pessoas. O Mastruz é bom pra tosse, é bom inchaço, e é bom para quando o corpo da gente tá desmentido, ele salva’’, afirma Edenir.

Essa prática, que para muitos parece ultrapassada, reflete a sabedoria acumulada ao longo de gerações na região, em cada gesto, Dona Edenir reforça a importância de valorizar os saberes ancestrais e manter viva a tradição de curas naturais da Amazônia.

Para ela, o conhecimento tradicional desses medicamentos é muito importante para a cura de doenças que muitas vezes os remédios farmacêuticos não são capazes de ajudar, e esse pensamento advém de uma cura pessoal vivida por Edenir após a amamentação de seus filhos.

Confira no vídeo:

A dona de casa não apenas faz o uso dessas plantas medicinais como também passa os valores dos saberes tradicionais para toda a família, a utilização desses medicamentos naturais é contínua dentro de sua casa, seus filhos e netos valorizam essa cultura.

O saber popular e a ciência

O uso de plantas medicinais é uma prática milenar, passada de geração a geração, especialmente entre os povos da Amazônia. Com chás, infusões, extratos e pomadas, comunidades inteiras cuidam da saúde de forma natural. A fitoterapia, que é o uso dessas plantas no tratamento de doenças, vem ganhando espaço como uma opção complementar à medicina tradicional.

A ciência, cada vez mais interessada nesses conhecimentos, tem confirmado o que a sabedoria popular já sabia. Pesquisas realizadas por instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e universidades da região amazônica têm identificado os princípios ativos presentes nas plantas e os efeitos que provocam no organismo.

“Hoje em dia o conhecimento já está sendo pesquisado e comprovado, e dessa maneira está se preparando um dossiê sobre cada planta e para o que ela serve”, explica Juan Revilla, pesquisador do INPA a mais de 40 anos e botânico especialista em plantas medicinais da Amazônia.

Esses estudos têm revelado, por exemplo, que os óleos essenciais ajudam a desobstruir as vias respiratórias, enquanto substâncias amargas extraídas de certas ervas estimulam o metabolismo do fígado e auxilia na eliminação de gorduras. Além disso, plantas como a unha-de-gato e o gengibre que possuem propriedades anti-inflamatórias que embora atuem de forma gradual, são eficazes em diversos tratamentos.

Há também casos clínicos que reforçam os benefícios das plantas medicinais. Segundo o especialista, muitos pacientes que enfrentam problemas como pedras nos rins ou vesícula, nódulos hormonais e distúrbios ginecológicos tiveram uma melhora significativa com o uso contínuo de chás e compostos naturais. A chia amarela, por exemplo, tem sido usada em tratamento para nódulos de tireoide, miomas, cistos ovarianos e até como suporte complementar em casos de câncer de próstata.

“Temos muitos casos de curas que, muitas vezes, a medicina alopática ou acadêmica não consegue”, destaca o especialista.

Outro ponto importante que vem sendo estudado é a melhor forma de consumo dessas plantas. Tradicionalmente, os chás eram a forma mais comum de preparo seja para beber, fazer compressas ou banhos terapêuticos. No entanto, a modernização da fitoterapia tem permitido que esses extratos naturais sejam transformados em pó e comprimidos, facilitando o consumo e permitindo maior concentração dos princípios ativos.

Extratos naturais comercializados de diversas maneiras no Mercado Adolpho Lisboa. Foto: Fernanda Soares

Essa evolução permite que os benefícios das plantas cheguem a mais pessoas, com praticidade e com mais respaldo científico.

A combinação entre a tradição, por meio do conhecimento empírico e a ciência indica um futuro promissor, de que a natureza continua como uma fonte de equilíbrio, prevenção e cura. Embora os efeitos positivos sejam comprovados, especialistas recomendam atenção no uso das plantas medicinais.

A orientação de um profissional capacitado é essencial para evitar erros na escolha da planta e da dosagem. O uso inadequado pode provocar vários tipos de reação ou reduzir a eficácia do tratamento. O ideal é sempre buscar acompanhamento terapêutico, especialmente em casos de doenças crônicas ou uso combinado com medicamentos de farmácia.

*Reportagem produzida na disciplina de Jornalismo Ambiental (sob a supervisão do prof. Me. Gabriel Ferreira)

Foto: Heloise Bastos

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