Na rotina diária de verificar os boletins da covid-19, aprendi a ter uma expertise de identificar os dados mais importantes para se informar a população naquele contexto.
Ainda recordo a ordem das principais informações, número de pessoas infectadas, mortos (interior e capital), organizadas no lide: quem, o quê, quando, quando, onde, como e por quê? havia necessidade do para quê, pois estávamos na prática condicionados a fazer o “rame-rame” sobre a doença.
Estávamos esgotados e acredito que toda população também estava. Tentávamos apresentar novos ângulos sobre os dados publicados no boletim. Dos infectados e mortos, passamos a verificar o número de pacientes internados em leitos clínico e de UTI, sobretudo na unidade referência no Amazonas, o Hospital Delphina Aziz, localizado na zona norte de Manaus.
Também tivemos o Hospital de Campanha, uma parceria entre prefeitura de Manaus e políticos locais donos de uma rede privada hospitalar. A briga ali foi feia. Briga de ego, por capital político, pois mesmo nas condições que estávamos vivendo, eles pensavam nas eleições que se avizinhavam. É até absurdo pensar hoje, que houve realização do pleito no meio de um vírus mortal que se espalhava pelo ar, conforme apontaram estudos científicos sérios e confiáveis.
E no meio do cansaço de ter que acompanhar as disputas políticas na pandemia, os boletins seguiam. E parecia até que esses documentos ditavam a vida das pessoas. O humor do dia dependia do que viria nos boletins. Admito que isso refletia diariamente no meu trabalho.
A leitura feita sobre os boletins da covid, eram intensas, detalhadas e por vezes frias.
E nesse cenário passamos a olhar também para os casos do interior, as internações, pois ali era um divisor de águas de como a pandemia ia se desenvolver.
Os leitos de UTI lotavam, e mais pessoas doentes do interior do estado buscavam ajuda, tentavam sobreviver. Tudo isso, nós víamos em números nos boletins, e se refletiam no dia a dia, na forma que noticiávamos.
Era uma transfiguração cruel e dolorosa, de números cada vez maiores em notícias, reportagens interpretativas sobre diversos contextos que ainda vou escrever e registrar por aqui. Mas era um ofício. Não escrevi nenhum obituário, mas todos os dias escrevia sobre óbitos. Foi um dos momentos mais difíceis da minha carreira recente como jornalista. Mal sabia que dois anos depois de me formar na Universidade Federal do Amazonas, viveria tudo isso que estou narrando aqui. É preciso falar sobre isso.
Espero que os demais colegas também escrevam sobre o que viveram, muito além da prática, pois a pandemia da covid-19 mudou muito a nossa forma de agir, pensar, sobretudo o fazer jornalístico. É preciso ser humano. Não dá mais para ser indiferente. Jornalista não é uma máquina.
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