Por Larissa Gemaque e Mayson Nogueira*
O documento final da 30° Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-30) foi apresentado no dia 22 de novembro de 2025 pela presidência da COP após o fim das discussões, em Belém (PA).
Intitulado “Mutirão Global: unindo a humanidade em uma mobilização global contra a mudança climática”, o texto final avançou em alguns pontos, como o retorno do Acordo de Paris e a inclusão de povos afrodescendentes, sendo este a primeira menção em 30 anos de conferência.
Em contrapartida, houve outras questões em que líderes mundiais não chegaram a um consenso como o Mapa do Caminho, que não prosseguiu nas discussões entre governos, empresas e sociedade, e foi o maior entrave para redução de combustíveis fósseis a nível global.
Para entender como os pontos foram discutidos e as consequências a curto ou longo prazo, o Portal da Ciência ouviu fontes que acompanharam os debates para formulação do texto final da COP 30.

Financiamento climático avança pouco e deixa lacunas na COP‑30
Durante a COP 30, um dos temas centrais foi o financiamento climático, que é o repasse de pelo menos US$1,3 trilhão de países desenvolvidos para países em desenvolvimento até 2035.
O financiamento foi debatido anteriormente na COP-29, em Baku, capital do Azerbaijão, no qual a meta era direcionar recursos para adaptação, mitigação e resistência climática, com foco na Amazônia.
Em um retrospecto geral, Waldick Júnior, repórter do Jornal Acrítica e mestrando do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação (PPGIC/FIC-Ufam), que esteve em Belém para a cobertura da conferência, afirmou que não houve expectativa de que chegassem ao valor de US$1,3 trilhão, apenas construir o montante para os repasses.
“Quando se chegou na COP, a expectativa era a seguinte, os países mais ricos tinham a responsabilidade junto com a iniciativa privada, arrecadar 300 bilhões de dólares por ano para países em desenvolvimento. Só que esse valor, apesar de ser bem alto para a gente, é considerado muito pequeno para os países em desenvolvimento. Esses países queriam pelo menos 1,3 trilhão de dólares anuais. Então se chegou nessa COP com a expectativa de que se não chegasse a esse valor, pelo menos que definisse um caminho para alcançar essa quantia. Dissesse assim, ‘olha, vamos chegar de tal forma!’. O que não aconteceu nessa COP, os países negociaram, conversaram, mas saíram de lá sem aumentar o valor e sem dizer como que vão aumentar”, disse Waldick.
O jornalista enfatizou que, durante as apurações dos debates, o único ponto que progrediu foi os países ricos repartirem valores três vezes mais aos países em desenvolvimento.
“A única coisa que avançou em relação ao financiamento é que esses países decidiram triplicar o recurso que eles vão fornecer para os países em desenvolvimento, o recurso especificamente sobre adaptação climática, que é basicamente os países se adaptando para sobreviver a esse novo mundo”, reforçou Waldick.
Para a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), houve avanços nas discussões, porém, os países não progrediram quanto à decisão final.
“Essa decisão também reforça que esse esforço tem que ser principalmente vindo dos países desenvolvidos. Então, acho que houve algum avanço, porque era importante que isso entrasse no texto, mas talvez com uma linguagem ainda um pouco fraca, porque são esforços, não é uma determinação para que os países façam isso.” afirmou a pesquisadora.

Brenda Brito disse que houve conversas para realização de uma “mesa redonda ministerial de alto nível”, com o objetivo de distribuir arrecadações para países em desenvolvimento, dialogando com objetivos do financiamento climático.
“Fala-se em fazer uma mesa redonda ministerial de alto nível. Porém, o texto que foi aprovado no ano passado, COP de Baku, não deixa muito bem isso claro. Ele fala em várias fontes possíveis de financiamento, inclusive fontes privadas. Essa mesa redonda vai servir para discutir isso. Fala-se também na decisão de um programa de dois anos para discutir esse financiamento climático. Então, temos uma decisão que abre uma outra trilha dentro das COPs para discutir melhor essa meta de financiamento climático”, finalizou a pesquisadora.
Avanços para proteção florestal
O Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), é um fundo de investimento global para financiar conservação de florestas tropicais. Iniciativa liderada pelo Brasil, o fundo foi lançado durante a COP 30, em ações para combater desmatamentos, e remuneração de aproximadamente US$10 bilhões até 2026 para países que diminuem as derrubadas de suas florestas.

Brenda Brito, pesquisadora do Imazon, destacou que o TFFF foi avanço positivo na Conferência e a importância do Fundo dentro da Agenda de Ação, que mobiliza ações voluntárias da sociedade, que antecedeu a COP 30, com objetivo de preservar hectares de floresta e comunidades indígenas.
“Um outro avanço interessante do ponto de vista de que tem relação com florestas foi na chamada Agenda de Ação da COP, onde está o TFFF. Nessa agenda de ação foi renovado um compromisso para chegar a 160 milhões de hectares de territórios protegidos para povos indígenas, comunidades afrodescendentes e populações tradicionais, essa tarefa vai ser alocada em 2 bilhões de dólares. O próprio Brasil se comprometeu com 60 milhões de hectares até 2030, protegidos para essa população. Então, acho que isso também foi um ganho importante nessa COP”, exclamou Brenda.
O mecanismo do TFFF representa um “pagamento por desempenho”, ou seja, países como florestas tropicais importantes podem ser pagos desde que mantenham suas áreas verdes conservadas. Nações como Alemanha, Indonésia, França, Noruega e o próprio Brasil se comprometeram em colaborar com repasses financeiros.
“Uma parte viria para remunerar países que possuem floresta tropical numa ideia de remunerar pela floresta em pé, ou seja, ver quantos hectares cada país tem de floresta tropical e ter um valor equivalente a 4 dólares por hectare para remunerar isso, seria um mecanismo para realmente olhar para o estoque de florestas. Então, ele vem preencher uma lacuna, porque a gente não tem um mecanismo que olhe para essa métrica. A gente tem mecanismos ligados à rede que olham para redução do desmatamento, mas não para remunerar a floresta em si que está em pé. Então acho que esse é um dos grandes avanços que teve na COP”, disse Brenda Brito.
Segundo Philip Fearnside, renomado pesquisador da Amazônia e vencedor do Nobel da Paz em 2007, a questão do Fundo de Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF) ainda é nebulosa o funcionamento da administração, visto que manobras políticas e financeiras podem corroborar para o bloqueio de verbas do Fundo.
“E, quando você fala em parar o desmatamento, por exemplo, tirar essas pessoas que estão ocupando as terras de governo, custa dinheiro, mas também tem o custo político. Então, vai ter resistência política a isso, enquanto para plantar árvores, todo mundo bate palmas. Então, como vai ser administrado fica no ar, não está resolvido”, explicou.
Durante os debates da COP, Philip Fearnside destacou que a maioria das questões relacionadas à conservação e preservação ambiental acabam girando em torno do dinheiro. Embora o financiamento internacional seja importante, ele ressaltou que a verdadeira preservação não depende apenas de recursos financeiros, mas sobretudo da ação efetiva dos governos.
“Outra coisa muito importante é que quase toda a conversa do COP foi sobre dinheiro. Mas o grosso do problema não é dinheiro, é questão de coragem política. Inclusive, muitas das coisas que o Brasil precisa fazer, ou são de graça, ou até poupe dinheiro”, declarou o pesquisador.

Apesar de ser um avanço, o TFFF não entrou no documento final da Conferência de Belém, ou seja, não se tornou uma obrigação com metas para cumprir, apenas como mecanismo voluntário de proteção ambiental.
Combustíveis fósseis fora do “Mutirão Global”
A COP 30 teve como grande discussão o uso de combustíveis fósseis. Porém, o evento terminou sem acordos acerca do assunto, e decepcionou grande parcela dos envolvidos nas discussões para redução de carvão, petróleo e gás na matriz energética dos países. O “Mapa do Caminho”, proposta brasileira para o tema, também não avançou, o que gerou críticas por ativistas e frustração de países.
Waldick Júnior, repórter do Jornal Acrítica, acompanhou de perto os desdobramentos para a tentativa de inclusão dos combustíveis fósseis no texto final.
“Porém, quando chegou lá, [na COP] logo no discurso de abertura, o presidente Lula deu uma indicação de que era preciso lidar também com os combustíveis fósseis, que são considerados os vilões da mudança climática. E aí o que aconteceu? Na pauta, essa questão dos combustíveis fósseis, ela acabou não avançando na COP. Embora o governo tenha feito essa indicação, ela acabou não avançando, especialmente porque muitos países que dependem financeiramente dos combustíveis fósseis, eles bateram o pé ali e disseram que não dava para fazer essa transição agora, que é difícil, que isso tem que ser feito com muito cuidado e no fim, essa pauta não avançou”, declarou Waldick.

Na perspectiva de Philip Fearnside, os entraves que impediram a pauta dos combustíveis fósseis de entrar no texto final foi um grande fracasso, em alusão ao planeta chegar ao ponto de não retorno, principalmente a Amazônia.
“Bom, o Brasil tentou […]. No documento final, não foi incluído e isso foi um fracasso, é muito grave porque estamos perto do ponto de não retorno na Amazônia, e a mesma coisa se aplica a outras florestas tropicais ao redor do mundo. Então, infelizmente não deu, apenas dos esforços do Brasil que está fazendo, que é importante e nosso país pode controlar o desmatamento e etc, diminuir uso de carvão, gás, isso é essencial, mas seria bom se fosse uma coisa mundial, porque a questão global depende de diminuir todas as emissões, não importa qual país emitir”, disse Philip.
O “Mapa do Caminho” foi um dos principais temas para discussão na COP 30. A proposta, apoiada por diversos países, era de adotar um “mapa do caminho” global para transição energética e eliminação progressiva do uso de combustíveis fósseis.
Para Lino João, professor e antropólogo da Universidade Federal do Amazonas, mantém a linha de pensamento de que não houve mudanças no enfoque da matriz energética, tal como nenhum avanço em termos dos combustíveis e redução das emissões.
“Alguns analistas que acompanharam de perto essa produção dizem que foi um fracasso geral. A gente não avançou em nada. O texto é frágil, débil, não colocaram nada sobre combustíveis fósseis e nenhum progresso geral naquilo que seriam os compromissos firmados no Acordo de Paris para diminuir a crise climática nos tais 1,5°C. O mundo continua voltado para a mesma matriz energética, o mundo tem que fazer o mapa dos combustíveis para que lá na frente cessamos o consumo desse tipo de energia”, exclamou Lino.

Presença dos povos originários e afrodescendentes
Após 30 anos de Conferência sobre Clima, o texto final da COP 30 cita os povos afrodescendentes, além de reafirmar a importância dos povos originários e assegurar seus territórios na ação climática global.
Na decisão final do texto, houve avanços inéditos ao reconhecer formalmente o papel dos povos afrodescendentes, indígenas, comunidades locais e outros grupos nas negociações e na luta contra a crise climática. Porém, houve algumas lacunas que não prosseguiram, como o veto de países ricos, como Austrália, Reino Unido e nações da União Europeia, à inclusão do termo “quilombola” nos planos, o que gerou críticas e retrocesso.
Para Lino João, a presença dos povos afrodescendentes foi positiva, citando o Brasil como lugar de referência e que acendeu as discussões acerca desses grupos.
“Eu acho que, em termos gerais, foi um ganho, sim, ter aparecido no documento final uma menção aos afrodescendentes. Principalmente porque isso aconteceu no Brasil. Essa COP ser realizada no Brasil traz a citação de afrodescendentes, explicita que existe na sociedade brasileira um segmento grande de pessoas com uma descendência ou uma ancestralidade africana, aquelas pessoas que são herdeiros dos escravizados que foram trazidos de África, que compõem um grande contingente da população africana, e que precisam ser encarados de uma forma mais consistente na ONU”, disse Lino.
Segundo Lino João, houve pontos positivos em relação aos povos originários, mas a política indigenista na COP não contribuiu para a melhoria da mesa, visto que a proposta não era propriamente dela.
“A COP contribuiu para a melhoria da política indigenista? Não, ela não contribuiu coisa nenhuma, até porque não era a proposta dela. Mas o fato de em Belém estarem participando vários povos indígenas e terem se manifestado, isso vai fazer com que o mundo pense o papel dos povos indígenas para as soluções climáticas. Em Belém, havia povos indígenas de outros países, outros continentes, mas o maior número eram os índios brasileiros, até porque estavam em Belém, na Amazônia, uma região que tem muita população indígena brasileira. A manifestação desses indígenas vai fazer com que o mundo repense, qual tem sido a parcela desse desenvolvimento, dos ganhos de desenvolvimento que tem sido oferecido para os povos indígenas, que é muito pequeno”, afirmou Lino João.
Para o professor, para além do lado social da conferência, o encontro acaba sendo uma reunião de países para negociar questões da crise climática, podendo ter avanços reais ou retrocessos na documentação final oficial, principalmente voltada para a perspectiva indígena.
“Vocês devem ter visto que os meios de comunicação diziam que tinha 5 mil indígenas em Belém, tinha a aldeia da COP, tinha a cúpula dos povos, porque a COP, vamos lembrar, a COP é um encontro estatal de negociação sobre a crise climática. O objetivo da COP é discutir a crise climática, tendo de um lado os Estados nacionais, os representantes dos Estados nacionais, e de outros empresários que fazem o lobby da crise climática”, disse Lino.
Em contraponto a essa visão de Lino, o jornalista Waldick Júnior menciona a importância da homologação de 30 processos de demarcação de terras indígenas, ponto positivo nas negociações, num pretexto para a Conferência de Belém no qual houve progressos.
“Olha, teve um dia, que a Ministra dos Povos Indígenas iria fazer um anúncio de que o governo estava avançando com mais de 30 processos de demarcação de terras indígenas. Quando a ministra e um assessor dela começaram a ler as terras que estavam avançando com o processo de demarcação, muitos indígenas começaram a chorar, se abraçar. E, assim, em algum momento eu estou conversando com essas pessoas, cobrindo ali a situação, em outro eu estou olhando pra elas e vendo elas tendo aquele momento muito especial, chorando, se emocionando. Teve esse momento muito especial, quando terminou esse anúncio das declarações, a ministra, que também chorou, também começou a chorar”, recordou Waldick sobre sua cobertura na COP.
Percepções que conduzem às respostas
A COP 30 reuniu ao longo de duas semanas representantes 193 países na capital paraense para discutir temas como preservação ambiental, matriz energética e questões sociais. As demandas distintas de cada país e falta de consenso implicou nas tomadas de decisões para elaboração do texto final da conferência.
“Você tem países que têm uma visão, por exemplo, a Colômbia, presidida pelo Gustavo Petro, que é uma pessoa de esquerda, entendia que ‘já deu de combustível fóssil, a gente não pode mais fazer isso, tem que interromper agora, e acabou, e acabou’. E você tem outros países, por exemplo, do Oriente Médio, que acham que esse assunto de transição energética está longe de acabar. É algo que a gente ainda tem muito a explorar”, declarou o jornalista Waldick Junior.
Após frustrações, países pretendem se reunir na Colômbia em 2026 para debater lacunas que ficaram na COP de Belém, como os combustíveis fósseis, que não entraram no texto final.
“Então, tem que enfrentar esse fato. Agora, tem também a chamada Carta de Belém, que foi liderada pela Colômbia, que enfrenta esse problema de combustível fóssil. E os países que assinaram aquilo vão ter uma reunião em Santa Marta, na Colômbia, em abril”, alegou Philip Fearnside sobre o encontro de líderes em 2026.
Apesar dessas questões, o professor e antropólogo Lino João destacou que a COP-30 foi marcada pela maior participação social da história das conferências climáticas em diversos contextos.
“Algumas pessoas falaram que a COP foi a “COP da verdade”, a COP mais indígena. Vamos pensar antes disso? Sim. Essa foi a COP 30. A COP 27 foi feita no Egito. A COP 28 foi feita em Dubai. E a COP 29 foi feita no Azerbaijão. Três países proibiram a manifestação da sociedade civil. Logo, a COP de Belém foi a COP mais movimento social, porque os outros países não democráticos, onde não existe manifestação social”, declarou Lino
Por fim, o antropólogo afirma que cada ação deve partir, além do governo e de investimentos, ações das pessoas para a manutenção do planeta e o bem estar das espécies e resgate dos conhecimentos tradicionais.
“A salvação tem que partir de todos nós. As terras indígenas são os lugares mais preservados do mundo porque os povos indígenas têm uma relação com o meio ambiente diferente daquela que nós adotamos na nossa sociedade. O mundo está acabando por falta de opção, de possibilidade mesmo”, finalizou Lino João.
Foto: Reprodução
*Repórteres do Portal da Ciência sob a supervisão do prof. Me. Gabriel Ferreira






